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Começa pagamento do Auxílio Brasil, mas exclusão de beneficiados aumenta desigualdades

Apesar da redução dos índices de desmprego, o rendimento médio dos trabalhadores caiu. Mais de 38 milhões de pessoas são trabalhadores informais. Foto: Marcelo Camargo/Agencia Brasil

No Nordeste, há mais brasileiros inscritos em programas assistencialistas do que com empregos formais. Foto: Marcelo Camargo/Agencia Brasil

O governo federal iniciou nesta quarta-feira (17) o pagamento do Auxílio Brasil. Ele reúne nove modalidades de repasses no valor médio de R$ 217,18, que atenderão, inicialmente, 14,6 milhões de famílias cadastradas no Bolsa Família, programa que substitui. Entretanto, deixa de fora 20 milhões de brasileiros que recebiam o Auxílio Emergencial, cuja sua última parcela foi paga também nesta quarta.

Para o economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social, o número de famílias atingidas será motivo de efeitos adversos no país a longo prazo, uma vez que deixa desamparados aqueles que foram afetados pela crise econômica instaurada no país durante a pandemia.

“A grande batalha não foi enfrentada. A priorização de políticas de combate à pobreza, isso não foi feito. É necessário uma política que seja para os ‘velhos’ pobres, mas também para os ‘novos’ pobres “, afirmou o especialista.

Durante toda a manhã, em diversas cidades brasileiras as agências da Caixa Econômica Federal registraram filas gigantescas de pessoas em busca de respostas sobre o direito ao benefício.

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Podem receber o auxílio todos aqueles já cadastrados no Bolsa Família, além de famílias em situação de extrema pobreza, isto é, com renda de até R$ 100 mensais por integrante da família, ou em situação de pobreza, com renda entre R$ 100,01 e R$ 200 mensais por pessoa.

O decreto que regulamenta os repasses estabelece aumento de 17,84% no valor médio que antes era pago no Bolsa Família, de R$ 190. O Auxílio Brasil reúne nove núcleos diferentes de benefícios. São eles:

Apesar da projeção e do início do pagamento, a manutenção e aumento do valor do repasse pelo governo ainda é incerta.

Custo da PEC dos Precatórios pode anular Auxílio Brasil

O presidente Jair Bolsonaro tenta viabilizar o pagamento do valor médio de R$ 400, promessa feita aos beneficiários este ano. Para isso, condiciona o custeio do programa social à aprovação da PEC dos Precatórios no Congresso. A Proposta de Emenda à Constituição permitiria o furo do teto de gastos e abriria espaço de R$ 91,6 bilhões no orçamento, possibilitando um possível aumento no valor pago a cada família, além de engordar as emendas parlamentares e o Fundo Eleitoral de 2022. O texto foi aprovado na Câmara na semana passada, mas segue em tramitação no Senado onde enfrenta resistência devido a instabilidade fiscal que gera.

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O economista Marcelo Neri explica que impactos econômicos e sociais da PEC dos Precatórios têm desdobramentos para os próximos anos, fazendo com que “o aumento no ticket médio do Auxílio Brasil se converta em um esforço em vão mais tarde”.

Isso porque os efeitos do desgaste para o parcelamento dos precatórios começam a ser identificados com a oscilação dos mercados. A tendência para os próximos anos é de piora na economia e as previsões negativas trazem dúvidas quanto à efetividade do Auxílio Brasil, uma vez que, apesar de custar caro beneficia menos brasileiros que o Bolsa Família.

“A PEC dos Precatórios instabiliza os mercados. A gente não está enfrentando o problema original e ainda correndo o risco de dar carona para outras despesas não sociais nesse processo. Tem certa flutuação patrocinada pelo governo que não é saudável. No curto prazo, tem esses efeitos de instabilidade, ao mesmo tempo em que o programa está sendo reduzido estruturalmente. Enquanto isso, é uma generosidade que não veio para ficar. Está se tentando fazer uma política emergencial e ao mesmo tempo dar um ‘upgrade’, mas no fundo a avaliação não é boa”, esclarece.

O que de bom pode ser extraído

Apesar da tensão política demandada pela implementação do Auxílio Brasil, o programa traz novos conceitos que observam especialistas, podem ser positivos. Para o diretor da FGV Social, merecem destaque as modalidades que dão ênfase à primeira infância e as que incluem os jovens em educação básica e agricultores familiares. Ainda assim, pondera, é necessário uma melhora no sistema de operacionalização dessas modalidades, algo tentado sem sucesso em governos passados.

“O Auxílio Brasil é uma variante mais complexa. Traz uma boa direção, mas com algumas limitantes. A inclusão de jovens, a transição das crianças, o auxílio creche, essas são ideias aceitas, mas difíceis de implementar. Outra questão é a inclusão de pequenos agricultores que doarão parte da produção para receber o benefício, assim como a ideia do Fome Zero, que não deu muito certo por razões operacionais. São ideias boas, mas talvez não resistam ao tempo”, afirma.

A origem do Bolsa Família

Extinto em outubro após 18 anos de vigência, o Bolsa Família foi implantado em 2003, durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a partir da junção de programas sociais lançados no mandato de Fernando Henrique Cardoso. Desde seu nascimento, o projeto teve como público alvo as famílias em estado de pobreza ou extrema pobreza, e já foi considerado um dos maiores programas de transferência de renda do mundo.

Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2019 apontaram que o Bolsa Família já retirou da fome 3,4 milhões de brasileiros que se encontravam abaixo ou na linha da extrema pobreza e outras 3,2 milhões da pobreza. O mesmo estudo mostrou que cada real investido no programa gerou crescimento de 1,8% no Produto Interno Bruto (PIB) do país, sendo responsável pela criação de um ciclo de ascensão social e crescimento econômico no Brasil.

A diminuição do programa coloca em risco a população brasileira que sofre com a fome, agravada pelos efeitos da pandemia do coronavírus no país. Dados do SOFI (State of Food Insecurity) da ONU (Organização das Nações Unidas) apontam que entre 2018 e 2020 foram registradas 49,6 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar moderada (que pulam refeições) ou severa (que ficam sem comer por um dia ou mais), resultando em 23,5% da população do país. O estudo aponta que foram registradas 12,1 milhões de pessoas a mais do que entre os anos de 2014 a 2016.

Para Marcelo Neri, com a briga pelo lançamento reduzido do Auxílio Brasil o governo seguirá esticando o desafio da fome no país. “É necessário mudar certos recursos, o governo acabou sendo coorporativo demais. A grande questão é essa, a falta de vontade de enfrentar esses problemas. Acaba sendo uma política nem econômica nem social. Você aumenta mais a pobreza e desaquece mais a economia”, finaliza.

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