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Deputados e senadores inauguraram, junto à Anafe, a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Advocacia Pública. Foto: AGU/Divulgação

É possível uma advocacia pública fraterna?

23.04.2019 17:57 0

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Em tempos de diversas mudanças políticas e de reformas fundamentais para o desenvolvimento do Estado brasileiro, a Advocacia Pública assume um papel crucial, não só na função contenciosa e de assessoramento jurídico, mas também no fomento de políticas públicas e no combate à corrupção.

Ainda pouco conhecida da população em geral e de muitos estudantes de direito, a Advocacia Pública é uma função essencial à Justiça, sob o ponto de vista constitucional, todavia, confundida pelo cidadão comum com o Ministério Público Federal ou vista de maneira míope como defensora do governo.

A função deste ensaio é justamente mostrar a importância da Advocacia Pública como sustentáculo do Estado, devendo a mesma ser fortalecida em suas prerrogativas, para que possa dar segurança jurídica ao país, com muito mais razão em tempos de tantas mudanças e reformas, como a da Previdência.

Neste diapasão, o foco se dará na Advocacia Pública Federal, abreviadamente chamada de AGU, para, ao final, propor uma mudança de paradigma de sua atuação. Daí o questionamento do título, isto é, responder se é possível termos uma Advocacia Pública fraterna.

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Antes, porém, é de bom que se explique o que se entende por fraternidade.

“A fraternidade jurídica contemporânea consiste em um direito público subjetivo do cidadão dotado de verticalidade, exigível do Estado e que permeia todos os direitos constitucionais, através do movimento de sua constitucionalização material, a qual promove incessantemente a fraternização da Carta Magna[1].

Portanto, faz-se necessária a irradiação deste conceito para a Advocacia Pública, promovendo uma verdadeira mudança de paradigma de sua atuação, já que a esquecida Fraternidade desde a Revolução Francesa, agora volta como forma de equacionamento entre a liberdade e a igualdade.

Explique-se. A Advocacia Pública como função essencial à Justiça prevista na Constituição Federal de 1988 com função de representar judicial e extrajudicialmente o Estado Brasileiro deve se submeter ao princípio constitucional da fraternidade. Para tanto, há que se modificar sua forma de atuação.

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Em primeiro lugar, o foco da advocacia pública deve mudar e a prioridade não pode ser somente a atuação contenciosa (aquela que se dá nas Cortes do país, primordialmente, na esfera judicial). Há que se ter um investimento forte na atuação consultiva e preventiva, para que evite o ajuizamento de ações judiciais.

Vale lembrar que isso mudaria o cenário judicial no país, pois o Estado brasileiro está no polo ativo ou passivo de ações judiciais em mais de 60% dos processos. Como exemplo, podemos citar o caso das execuções fiscais, conforme informado no Justiça em Números de 2018 pelo CNJ: Os processos de execução fiscal representam, aproximadamente, 39% do total de casos pendentes e 74% das execuções pendentes no Poder Judiciário, com taxa de congestionamento de 91,7%. Ou seja, de cada cem processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2017, apenas 8 foram baixados. Desconsiderando esses processos, a taxa de congestionamento do Poder Judiciário cairia 9 pontos percentuais, passando de 72% para 63% em 2017[2].

Portanto, uma Advocacia Pública que previne litígios ou um Estado eficiente na sua atuação administrativa evitaria se gastar quase R$ 80 bilhões por ano com o Poder Judiciário. Esse é o gasto no ano de 2018, para um serviço de prestação jurisdicional lento e sem eficiência, em virtude do congestionamento supramencionado.

O Estado precisa prover seus entes administrativos de estrutura, planejar melhor os investimentos de seus recursos, capacitar seu servidor e reduzir a burocracia, para que preste um bom serviço ao cidadão e respeite os direitos fundamentais, o que não ocorre atualmente.

E, pela missão constitucional dada à Advocacia Pública, há que se mudar sua mentalidade de atuação, passando da cultura de litigiosidade, para a cultura da resolução do problema extrajudicialmente, ou seja, no âmbito da própria Administração Pública, reconhecendo direitos se preciso for.

Assim, o foco passa a ser o assessoramento e a prevenção, como maior estratégia de defesa do Estado brasileiro, o que, com certeza, irá gerar uma economia de bilhões de reais, os quais poderão ser investidos em outras áreas como a saúde, educação, proteção ao meio ambiente, dentre outras.

E, ainda assim, se houver ajuizamento de ações contra o Poder Público, a tendência é aumentar o número de improcedência, já que tendo o Estado agido dentro da legalidade, não há que mudar o ato administrativo. Porém, se constatado o erro administrativo em juízo, deve a Advocacia Pública envidar esforços no caminho da conciliação, mediação ou arbitragem (a depender do caso concreto), como elemento do direito constitucional fraterno, além do respeito ao direito fundamental do cidadão de duração razoável do processo, na forma art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal.

A Advocacia-Geral da União (AGU) já iniciou a mudança de paradigma ao incrementar os acordos judiciais, principalmente, nas ações previdenciárias, bem como promover a conciliação extrajudicial e judicial, por meio da sua CCAF – Câmara de Conciliação da Administração Pública Federal e das Centrais de Negociação, as quais têm índice altíssimo de resolutividade. Vale lembrar das súmulas editadas da AGU, dos pareceres do advogado-geral da União e dos pareceres da Consultoria-Geral da União aprovados pelo advogado-geral da União e submetidos ao Presidente da República, os quais fixam entendimento jurídico que vincula toda a Administração Pública, evitando litígios e interpretações divergentes.

Além disso, a AGU tem investido na atuação proativa, aumentando o número de advogados públicos no grupo permanente de atuação proativa, o qual ajuizou mais de 4 mil ações em 2018 e recuperou em torno de R$ 460 milhões.

Como se não bastasse, houve incremento no combate à corrupção, no ajuizamento de ações regressivas e na recuperação de recursos públicos, o que dá ensejo à aplicação concreta do princípio da fraternidade. Também não se pode olvidar a mudança legislativa promovida pela Lei 13.655/2018, a qual inseriu o artigo 26 do Decreto-Lei nº 4.657/1942[3] (Lei de Introdução às normas de Direito Brasileiro) permitindo a celebração de compromisso com o interessado. Por fim, também é importante destacar a MP 872/2019 que modificou a Lei 11.437/2007 e alterou a competência da AGU para a representação dos  integrantes da Secretaria Nacional de Segurança Pública, incluídos os da Força Nacional de Segurança Pública, os da Secretaria de Operações Integradas e os do Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que venham a ser investigados ou processados em função do seu emprego nas atividades e nos serviços  imprescindíveis à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio[4].

Todavia, nada disso é suficiente, se o cidadão brasileiro não mudar seu comportamento, pois a população é parte fundamental na aplicação do princípio da fraternidade, não só alterando sua conduta para respeitar as regras jurídicas (pagando impostos devidos, por exemplo), como também ver com bons olhos a resolução do conflito por meios alternativos ao Judiciário.

Em suma, conclui-se que é possível uma Advocacia Pública Fraterna. Os primeiros passos nesse caminho já foram dados, mas ainda falta muito para se atingir esse objetivo, pois parte de uma mudança cultural dos governantes, da concepção de Estado como respeitador dos direitos fundamentais, da confiabilidade nas instituições públicas e, claro, da população brasileira.

É preciso aproveitar todas as mudanças políticas e sociais do momento e (re)começar, na esteira de uma Advocacia Pública Fraterna e forte, pois é a garantidora da segurança jurídica do país e do desenvolvimento de suas políticas públicas dentro da legalidade.

Como diria o poeta Drummond: “Onde você quer chegar? Ir alto? Sonhe alto. Queira o melhor do melhor, queira coisas boas para a vida, pensando assim trazemos prá nós aquilo que desejamos. Se pensamos pequeno, coisas pequenas teremos…já se desejarmos fortemente o melhor e principalmente lutarmos pelo melhor, o melhor vai se instalar na nossa vida. E é hoje o dia da faxina mental…”.

Lutemos por uma Advocacia Pública Fraterna, pois é possível e é a melhor.

[1] MOURA, Grégore Moreira de. Direito Constitucional Fraterno. Belo Horizonte: Editora D Plácido, 2018. p.100.

[2] Disponível em file:///C:/Users/W10/Desktop/GR%C3%89GORE/justi%C3%A7a%20em%20n%C3%BAmeros%202018.pdf Acesso em 21.04.2019.

[3]  Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial.  (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

  • 1º O compromisso referido no caput deste artigo: (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

I – buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais;               (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

II – (VETADO);                      (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

III – não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral; (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

IV – deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento.   (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

[4] Ver nova redação do § 11 do Art. 5º da Lei 11.473/2007 que diz: “ Os integrantes da Secretaria Nacional de Segurança Pública, incluídos os da Força Nacional de Segurança Pública, os da Secretaria de Operações Integradas e os do Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que venham a ser investigados ou processados em função do seu emprego nas atividades e nos serviços referidos no art. 3º poderão ser representados pela Advocacia-Geral da União, nos termos do disposto no art. 22 da Lei nº 9.028, de 12 de abril de 1995, ou pela Defensoria Pública da União, na hipótese de hipossuficiência ou vulnerabilidade, nos termos da lei.   (Redação dada pela Medida Provisória nº 872, de 2019)”.

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