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"Ainda não é possível afirmar se o amor acabou, mas brasileiros vão às urnas para tentar se livrar do que detestam, em vez de se dedicar a conhecer quem quer desenvolver soluções para o país", lamenta Tom Barros[fotografo]Fernando Frazão / Agência Brasil[/fotografo]

O medo venceu a esperança?

28.09.2018 21:06 0

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Eis a eleição do fim do mundo! Aparentemente, já saímos todos perdendo ainda antes do momento do pleito. Para os vencedores não será bem assim, pode-se pensar. De todo modo, as coisas que podem ser lidas e ouvidas por aí, parecem indicar que não haverá vida fácil para ninguém, qualquer que seja o resultado das urnas. Na semana passada, registrei um dos possíveis cenários.

Depois dessa torrente avassaladora de agressões e ameaças que mal suponhamos sermos capazes de produzir, esperávamos, com as eleições, gozar a bonança da pax democrática – afiançada pelo poder concentrado no Estado. Não há garantias que vá ser exatamente desse jeito, a julgar por dois fatores que se fortalecem mutuamente: as atitudes condenatórias dos adeptos aos que estão do outro lado e as narrativas das campanhas, das candidaturas em destaque.

Ainda não é possível afirmar se o amor acabou, mas brasileiros vão às urnas para tentar se livrar do que detestam, em vez de se dedicar a conhecer quem quer desenvolver soluções para o país e as coisas que alguns deles já podem colocar para funcionar imediatamente. É absolutamente legítimo e democrático usar seu voto para evitar que a pessoa indesejada chegue ao poder. Os motivos para esse incômodo tão grande com o candidato adversário é que já se demonstram patológicos.

(Aviso: trecho irônico à frente.) Os que se dizem “puros e castos” atacam as “hordas de mal-feitores” que defendem os “direitos dos manos” e a “roubalheira”; que, em retribuição, agradecem a gentileza, conclamando a paz por meio de adjetivos mais sofisticados como “incultos”, “tabacudos”, “seletivamente indignados” e “desumanos, quase não-gente” – na suposição de que a falta de formação humanista é causa do nosso meio social, não o resultado. Ou que tipo de pessoa simularia ato de tortura, atribuindo ao adversário a prática criminosa, não importa de que lado tenha surgido a luminosa ideia?

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No entanto, essa pantomina só não é mais virulenta, porque ensaiada e estudada em seus mínimos detalhes. A bem disfarçada técnica diversionista é obra das cúpulas partidárias e dos marqueteiros de plantão. Lá no fundo, sabem que qualquer ataque aparentemente irracional e despropositado é o estopim que atrai atenção suficiente para manter mobilizadas as claques raivosas. É a garantia da polaridade necessária para levá-los ao segundo turno. O truque é antigo.

Acontece que seguidores cegos não enxergam e se hostilizam de modo franco, sem possibilidade de reconciliação. O que esses profetas do apocalipse fingem não saber é que o dano à coesão social brasileira é imenso. O que ainda talvez não saibam é que alguns eleitores já estão escolhendo seu candidato, levando em consideração aquele que seja mais fácil afastar legalmente do poder caso cheguemos a impasses incontornáveis.

E por que não apostamos em alguém que poderia produzir um governo de transição para nos conduzir para fora dessa zona perigosa de instabilidade? Bastaria garantir as instituições democráticas e realizar os ajustes mais básicos que são necessários à economia nesse instante. Vários postulantes possuem condições para a missão. A resposta diz muito sobre nossa época: qualquer candidato que possua os requisitos para fazer essa travessia com segurança – alguém que aposte em consensos construídos pela política – não possui viabilidade eleitoral nesse ambiente de conflagração.

Será que o medo venceu a esperança? Todo um país já não se importaria com nossos avanços como sociedade, com os direitos de todos, com a retidão no trato da coisa pública, com a diminuição das desigualdades? Cogita-se seriamente deixar nosso destino como nação nas mãos de populistas irresponsáveis? As respostas não são ainda conhecidas, mas guerras criam traumas, deixam marcas que requerem algumas gerações para cicatrizar. Esse ódio todo não tem mais lado nem bandeira. Quem continuar dando passos para dentro dessa arena, não poderá dizer-se inocente diante das consequências que certamente virão.

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Após ceder à pressão das circunstâncias, sou obrigado a ombrear com a pregação de amigos e colegas que, com os possíveis cenários que se aproximam em 2019, advogam ser mais importante do que nunca pensar em como ativar impedimentos legais à ação irrefreada de um futuro governo que ameace brincar com o que é inegociável: respeitar a democracia. O objetivo não é criar obstáculos à governabilidade, mas lançar mão de um elemento concreto que limite o arbítrio e assegure a normalidade democrática.

Além de votar em que proporá políticas que lhe pareçam mais adequadas e com maiores chances de sucesso, trate a eleição legislativa como esse dispositivo de controle. Ela é o principal mecanismo, legítimo e republicano, de entrave político. Se você achar que seu candidato vai perder as eleições majoritárias, e que o novo governo é capaz de adotar medidas irresponsáveis para agir de forma autoritária, não perca a oportunidade de utilizar uma estratégia consistente de mitigação de risco: implante o seu vírus democrático no sistema.

 

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