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Foto: Divulgação/TST

Justiça

Professor demitido por posicionamento político vence processo trabalhista

20.12.2021 19:01 0

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“Se tá aqui dentro, se eu estou pagando o salário, tem que vestir a camisa e comungar com as minhas ideias”. Foi assim que a gestora de uma escola particular, localizada em Rancharia (SP), justificou a demissão de um professor após ele se manifestar contra a intervenção militar defendida por ela. A fala foi durante conversa com o chefe dos Recursos Humanos (RH) de uma outra escola, que ligou para pedir referências sobre o profissional.

A ligação, que estava sendo gravada, serviu de evidência no processo trabalhista que o professor moveu contra a escola, por considerar a demissão discriminatória e suspeitar que a antiga chefe estava dando indicações negativas ao seu respeito, atrapalhando as chances de conseguir um novo emprego.

Entenda o caso

Tudo começou em 25 maio de 2018, auge da greve dos caminhoneiros. A sócia-proprietária do Colégio Criativo/Objetivo, Viviane Reginato, visitou um dos pontos de apoio à manifestação, localizado no quilômetro 521 da rodovia SP-284, para levar mantimentos para os participantes dos protestos. Ao lado de uma faixa com os dizeres “intervenção militar já”, a professora discursou em um vídeo, externalizou seu apoio ao movimento, e convidou a população a apoiar a causa. Então, publicou no perfil da escola no Facebook.

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“Nós, do Colégio Criativo de Rancharia, estivemos na tarde de hoje (25/05/2018), em um dos pontos de apoio à Greve dos Caminhoneiros, atendendo o apelo do “Gigante do Rodeio”, Claudiney Mathias, levamos mantimentos e externamos todo nosso apoio aos caminhoneiros que lá estavam.

A Sócia-Proprietária do Colégio Criativo, a Professora Viviane Rebello S. Reginato, discursou sobre a importância do apoio de toda a população aos caminhoneiros. Faça sua parte. Ajude com mantimentos, leve nos pontos de apoio (em Rancharia, em frente ao restaurante Caipirão) e compartilhe essa publicação.

#JuntosSomosMaisFortes”

Insatisfeitos com a postagem em nome de todo o corpo docente, um grupo de professores publicou, no dia seguinte, uma carta à comunidade em repúdio à publicação na rede social, com a afirmação de que a postagem de cunho antidemocrático não representava o posicionamento de todos os profissionais que atuavam na instituição de ensino.

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Após a manifestação, os professores passaram a ser tratados com hostilidade pela gestora da escola, até que foram demitidos.

O professor de Geografia, Leandro Ribeiro, começou a distribuir o currículo em escolas particulares de Presidente Prudente (SP), cidade onde mora, localizada a cerca de 50 km de Rancharia, e em outras cidades da região. Em um primeiro momento, um curso preparatório e de reforço escolar se interessou pelo currículo do professor. Conversaram ao ponto de definirem valores e a contratação estava como certa. No entanto, passados alguns dias, o educador foi surpreendido com a informação de que haviam contratado outra pessoa.

A experiência se repetiu por mais duas vezes, com outras instituições elogiando o currículo do professor e demonstrando interesse em contratá-lo. Entretanto, Ribeiro não recebia nenhuma resposta definitiva e descobria que as escolas haviam contratados outros profissionais para a vaga.

“Quem trabalha como professor em colégio particular sabe que a contratação depende muito de indicação e, depois das frustrações que tive, passei a suspeitar das más referências”, afirma o professor.

Ribeiro então pediu a um amigo que ligasse na escola se passando por um possível contratante em busca de referências. Na conversa, a sócia-proprietária afirmou que o educador era um bom profissional, mas um “PT danado”. Na ligação de oito minutos, Viviane confirmou que a demissão foi por conta do posicionamento do professor contra seu vídeo, mas disse que este tinha sido algo de cunho pessoal, sem envolvimento com o colégio.

A gestora afirmou que não gostou da atitude, e por isso demitiu o professor e um outro colega envolvido na carta de repúdio. Questionada pelo “entrevistador” se a demissão tinha algum motivo de caráter técnico, a gestora afirmou que não, e ressaltou que o profissional é “bom professor”.

Ribeiro entrou com um processo de danos morais contra a escola devido a demissão por motivo discriminatório e os comentários desabonadores que a gestora dava para possíveis novos empregadores. Venceu a ação e o colégio não recorreu da sentença.

Desde 2020 o professor cursa doutorado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). No futuro, pretende prestar concurso para docente ou pesquisador em universidade pública. Ao mesmo tempo que está feliz por ter ganhado a ação, sabe que os danos causados são permanentes, acredita estar “queimado” com as escolas da região e considera ser impossível desfazer o ocorrido.

Procurada pela reportagem, a defesa do Colégio Criativo optou por não se manifestar e ameaçou entrar na justiça caso o nome da escola ou de uma das sócias fosse exposto de maneira negativa.

 

Confira a íntegra da carta que levou a demissão do professor:

“Carta aberta à comunidade

Nós professores do Colégio Objetivo viemos a público a manifestar nosso repúdio contra a publicação do colégio Criativo/Objetivo sobre a manifestação dos caminhoneiros e a defesa de uma intervenção militar.

Não questionamos a manifestação dos caminhoneiros e nem a liberdade de expressão.

O nosso questionamento é sobre o fato de que a publicação gerou comentários no Facebook de uma FALSA ideia de que TODOS os docentes, funcionários e alunos do colégio citado concordam com a intervenção militar. Em alguns comentários até se relacionou de forma negativa a defesa da intervenção militar com a qualidade da educação do colégio e da formação dos professores.

Desse modo, viemos a público a DECLARAR que a postagem do colégio NÃO REFLETE nos valores sociais e educacionais de TODOS indivíduos que compõem o corpo docente do colégio. E ainda salientamos através dessa carta que defendemos os valores básicos da democracia, como o direito ao voto, à liberdade de expressão e à liberdade de “ir e vir” que foram cerceadas durante o período da ditadura civil-militar de 1964.

A solução para a crise política e econômica que o Brasil vem passando não pode ser facilmente atribuída a uma ‘solução’ pela intervenção militar. Existe outro caminho para solucionar a nossa crise. Cujo caminho deve ser trilhado pela via democrática com a participação de uma ‘sociedade livre, justa e solidária’.

Por fim, pedimos desculpas à toda a comunidade brasileira que se sentiu ofendida e, bem como, aos milhares de brasileiros torturados cruelmente e presos e às famílias de centenas de mortos durante o governo da ditadura civil-militar.”

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