Apesar de ser um direito do cidadão ter acesso a todos os documentos produzidos ou custodiados pelo poder público, Câmara e Senado se recusam a fornecer cópias de trabalhos encomendados por parlamentares que apenas no ano passado custaram aos cofres públicos quase R$ 27 milhões.
Deputados e senadores têm à disposição a verba indenizatória, valores que variam de R$ 21 mil a R$ 45 mil por mês para o custeio de despesas exclusivas do mandato e dentre elas a contratação de consultorias e assessorias externas.
Apesar do órgão de consultoria legislativa existente em ambas as casas e que é formado por servidores concursados altamente capacitados para elaborarem estudos, notas técnicas, minutas de proposições e pareceres, relatórios e pronunciamentos parlamentares, entre outros trabalhos, deputados e senadores contratam empresas para fazerem o mesmo serviço.
Os documentos gerados por estas consultorias externas, porém, estão longe do alcance do cidadão que deseja obter cópias, direito garantido pela Constituição Federal. A prática adotada pelas casas é a de se eximirem do dever e para isso emitem a mesma mensagem (leia abaixo) a quem quiser saber o que o dinheiro público está pagando.
Na Câmara, de janeiro até a primeira quinzena de abril deste ano, 160 empresas que prestam serviços de consultoria, pesquisas e trabalhos técnicos foram contratadas por 166 deputados, o que gerou até o momento mais de R$ 2,55 milhões em gastos.
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Líder do gasto na Câmara
O líder dos gastos na atual legislatura com este tipo de despesa é o deputado Vicentinho Júnior (PR-TO), que já foi ressarcido em R$ 90 mil neste ano. Se somados aos pagamentos efetuados desde que entrou na Câmara, Vicentinho já direcionou quase R$ 1 milhão.
![Vicentinho Júnior (PR-TO) – quase R$ 1 milhão de gastos](https://static.congressoemfoco.uol.com.br/2019/04/Vicentinho-junior.png)
Vicentinho Júnior (PR-TO) – quase R$ 1 milhão de gastos [fotografo]Divulgação[/fotografo]
Na legislatura passada o contribuinte pagou mais de R$ 86 milhões pelos serviços de consultoria, pesquisas e trabalhos técnicos.
Não é preciso fazer este gasto
![Carla Zambelli (PSL-SP) – “Não é preciso contratar empresas de consultoria”.](https://static.congressoemfoco.uol.com.br/2019/04/carla.jpg)
Carla Zambelli (PSL-SP) – “Não é preciso contratar empresas de consultoria”.[fotografo]Facebook[/fotografo]
No Senado
No Senado a música é tocada no mesmo tom que na Câmara. Em 2019, dos 81 senadores, 31 já contrataram 50 empresas para realizarem os serviços, o que gerou um gasto de R$ 585 mil. Apenas no ano passado o valor chegou bem perto dos R$ 5 milhões.
Obter cópias dos referidos documentos ou mesmo visualizá-los é impossível ao contribuinte que se interessar em conhecer o que seu dinheiro anda pagando no Senado.
Lavando as mãos
Negar acesso aos documentos é uma convergência nas duas principais casas legislativas do país, responsáveis por criar leis que elas mesmos criaram.
O cidadão que solicitar na Câmara, via Lei de Acesso à Informação, ao invés da cópia dos trabalhos receberá a seguinte mensagem:
“No tocante às despesas com a contratação de consultorias, trabalhos técnicos e pesquisas socioeconômicas (Ato da Mesa n. 43/2009, art. 2º, inc. XI), ressaltamos que a norma reguladora da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar não exige da deputada, para efeito de reembolso, a apresentação de outros documentos, além daqueles que já se encontram publicados no sítio eletrônico desta Casa (Ato da Mesa n. 43/2009, art. 4º, § 3º)”.
Se o cidadão contestar a resposta e informar que o fornecimento das cópias está previsto em lei e que a Constituição Federal é soberana sobre normas internas da casa, a resposta é sempre essa:
“A esta Casa cabe fiscalizar os gastos apenas no que respeita à regularidade fiscal e contábil da documentação comprobatória da despesa, cabendo exclusivamente ao Deputado responsabilizar-se pela compatibilidade do objeto do gasto com a legislação, fato que o parlamentar atesta expressamente mediante declaração escrita. Ademais, o reembolso da despesa não implica manifestação da Casa quanto à observância pelos Parlamentares de normas eleitorais, nem quanto à tipicidade ou ilicitude. Por tais razões, o Diretor-Geral INDEFERIU o pedido de recurso formulado pelo Interessado.”
No Senado o texto é outro, mas a mensagem é a mesma.
“Advocacia do Senado Federal entendeu que caberia ao próprio parlamentar optar pela disponibilização total ou parcial das notas fiscais de seus gastos públicos à consulta pública, ou que deveria ser realizada mediante solicitação da autoridade que presidisse investigação que versa-se sobre má utilização dos recursos públicos, em procedimento formal de controle, no âmbito do processo regular fiscalizatório, com as garantias do devido processo legal.”
Ação Colaborativa
O Instituto OPS, entidade que fiscaliza gastos públicos como os da verba indenizatória, entrará com uma representação no Ministério Público Federal contra a Câmara e o Senado por entender que estas casas estão desrespeitando a Lei de Acesso à Informação e proporá a criação de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) para que estes documentos sejam disponibilizados ao público nos portais das duas casas, juntamente com as notas fiscais dos serviços.
A sociedade é convidada de honra para fazer parte desta representação. Como é de costume, a OPS convoca mais uma vez cidadãos a participarem ativamente desta representação e para isso basta que solicitem cópia de trabalhos de consultoria e ao receber a reposta, enviá-la para [email protected].
O texto padrão de solicitação está logo abaixo, mas o cidadão poderá criar o seu próprio texto. Assista ao vídeo para saber como proceder.
Com base na Lei de Acesso à Informação, solicito cópia do material produzido pela empresa XXXXX, cuja despesa foi ressarcida ao parlamentar fulano de tal, em xxx de xxxx de 2019, no valor de R$ XXXX.
Observo que não se trata aqui de obedecer a uma regra interna da casa em não exigir cópia dos estudos técnicos. Trata-se do cumprimento de uma Lei Federal, um pedido de informação baseado na Lei de Acesso à Informação, que diz: “Todas as informações produzidas ou sob guarda do poder público são públicas e, portanto, acessíveis a todos os cidadãos, ressalvadas as informações pessoais e as hipóteses de sigilo legalmente estabelecidas”.
Sendo assim, por não se tratar de informações pessoais (cujo custo não poderia ser arcado pelo poder público) e nem se enquadra em “sigilo legalmente estabelecido”, e ainda, por se tratar de material produzido ao parlamentar cujo custo foi pago com dinheiro público, por óbvio trata-se de documento de interesse público e, portanto, passível de ser fornecido a quem desejar. Dessa forma, esta casa tem por obrigação legal fornecer tais informações, exigindo-as do parlamentar, se necessário, para que se faça o cumprimento da lei.
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