Congresso em Foco
Congresso em Foco

Farol Político

Farol

Os custos da democracia

, e

03.06.2022 11:28 0
Atualizado em 17.06.2022 10:32

Análise
Publicidade

A ideia em um segundo

A economia política espera a redução dos juros às vésperas das eleições. Contudo, devido às pressões inflacionárias que o Brasil tem enfrentado há mais de um ano, o Banco Central tem elevado a Selic e agido em relação a essa dinâmica independentemente da disputa de outubro. Ao mesmo tempo, o governo pisou no acelerador dos gastos e concessões para além do limite responsável, com vistas a angariar votos. Para piorar, o Congresso abandou há algum tempo a discussão de proposições estruturantes e se voltou a ações com claro cunho eleitoral. Como equilibrar essa equação?

 

A reflexão política de pensadores como Rousseau e James Madison nos legou a ideia de que a sociedade não é composta por anjos, assim como não é governada por eles. Não temos como aplicar na prática um governo ideal, pois somos falíveis. Daí Winston Churchill ter dito que “a democracia é a pior forma de governo, à exceção das demais”. 

O momento atual de campanha eleitoral a pleno vapor ilumina aspectos que poderíamos considerar negativos da democracia, nossas perdas prováveis: ciclos monetário e fiscal, assim como paralisia decisória.

Publicidade

O ciclo dos juros

A literatura de economia política discute a existência de ciclos de aperto e expansão monetária, isto é, aumento e diminuição dos juros, pari passu ao calendário eleitoral. A autoridade política que controla a política monetária, no caso brasileiro o governo federal, teria interesse em baixar juros em períodos pré-eleitorais como forma de estimular o crescimento econômico e angariar apoio político. 

Decorreria que tal baixa de juros, se empurrada para além das forças de mercado, levaria a um crescimento da inflação e a necessidade, no período posterior, de aperto monetário para controlar os preços – que viria mediante queda da atividade econômica. 

Nisso os economistas vem um custo democrático, pois o ciclo eleitoral estimularia uma atividade econômica artificial, a qual geraria um custo recessivo posterior que poderia ter sido evitado. Vigora, então, entre a maioria dos praticantes dessa profissão uma crença arraigada no valor da independência do Banco Central. Tal independência garantiria que o definidor da política de juros, o Banco Central, não fosse influenciado pelos políticos de plantão e assim conseguisse tomar as medidas economicamente mais eficientes. 

 

Publicidade
Publicidade

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central. Foto: Billy Boss/ABr

 

Em termos democráticos, a proposta tem dois problemas graves: a crença na pureza técnica do Banco Central, não capturado pelos interesses do mercado, e a falta de legitimidade democrática da tecnocracia. Contudo, no cenário brasileiro atual estamos longe de precisar discutir derrapagens e mutretas desnecessárias da política econômica, pois nos assola uma inflação muito alta derivada de outras fontes. 

A pandemia e a guerra na Ucrânia desestabilizaram a economia mundial e forças inflacionários surgiram de cadeias de suprimentos instáveis ou com oferta insuficiente. No flanco interno, o quadro fiscal medíocre, as reformas paradas e um governo sem rumo agravaram o quadro pela falta de perspectivas, o que redunda em dólar caro e mais inflação, além da falta de investimento nas cadeias de oferta. 

Assim, pagamos custos bem mais caros do que um ciclo eleitoral de juros. Não se pode acusar o Banco Central brasileiro hoje de fazer política eleitoreira. Com seus juros altos, ele simplesmente tenta apagar incêndios que surgem de todos os lados.

 

Bolsonaro faz de entrega de obra no interior da Paraíba ato eleitoral. Foto: Alan Santos/PR

O ciclo fiscal

O ciclo fiscal é um clássico da universal política clientelista: governos gastam mais generosamente em períodos pré-eleitorais com vistas a agradar ao eleitor. Vale tudo: isenções tributárias para grupos específicos, aumento de salários do funcionalismo, do valor de benefícios sociais, flexibilização de contingenciamentos, entre outros. Trata-se da modernização da velha política eleitoral de distribuição de sapatos e dentaduras. 

A Emenda Constitucional nº 114, chamada ano passado de “PEC dos Precatórios”, foi a que permitiu a agora a mais farta distribuição de dentaduras. À época, sob a alegação de que o Auxílio Brasil não subsistiria sem a flexibilização das despesas judiciais com precatórios, o governo conseguiu criar folga no caixa para tanto pagar o dito auxílio quanto incrementar a distribuição de emendas de relator e várias outras despesas. 

Os problemas associados a esse ciclo fiscal são: realização de gastos desnecessários e criação de despesas permanentes sem a devida avaliação de sua necessidade, eficiência e sustentabilidade.

Embora grande parte das despesas tenha legitimidade em si própria, perde-se de vista o caráter sistêmico da economia. Muitas vezes atender a um pleito específico gera muito pouco retorno para a sociedade no curto e longo prazo. Contudo, o governo de plantão atende a clientelas e busca outro objetivo que não o crescimento econômico sustentado, mas sim votos. 

Não há dúvidas de que o Brasil hoje passa por um momento de ciclo fiscal eleitoralmente direcionado. 

 

O presidente da Câmara, Arthur Lira. Foto: Pablo Valadares/Ag. Câmara

A paralisia decisória

Este Farol abordou diversas vezes a inviabilidade de reformas estruturantes no governo Bolsonaro. Reportagens, análises próprias da nossa equipe e o resultado das diversas rodadas do Painel do Poder apontavam que reformas profundas e estruturantes como a administrativa e a tributária não avançariam no atual governo. 

Embora houvesse a disposição de um congresso tão pró-mercado quanto nunca desde 1988, faltavam sistematicamente projetos bem delineados pelo governo, capacidade de coordenação do Planalto e mesmo interesse das principais figuras políticas, exemplarmente o presidente Bolsonaro. 

Contudo, mesmo se aceita a baixa ambição do Congresso atual, sua pauta tem avançado para projetos voltados a setores específicos e, pior, em alguns casos voltados a aumentar a ineficiência dos sistemas econômico e regulatório. Veja-se, por exemplo, as tentativas extremas de conter aumentos de combustíveis e energia elétrica com ações estabanadas que passam por subsídios insustentáveis, sustação de aumentos contratuais, risco de desabastecimento, decisões juridicamente contestáveis. 

A proximidade da eleição tornou o Congresso a um tempo inoperante para as grandes questões nacionais e a outro exageradamente ativo em medidas populistas com objetivo eleitoral.

Deve-se deixar claro, contudo, que a disfuncionalidade atual do Legislativo não é inexorável. Deve-se no Brasil à conjunção da possibilidade da reeleição, que sequestra o mandatário de seu governo para dedicar-se apenas à manutenção do cargo, e também à falta de rumo e força do Poder Executivo brasileiro na condução da pauta do Congresso. 

 

Termômetro

CHAPA QUENTE GELADEIRA
A Câmara deu um passo esta semana para mudar a política de preços dos combustíveis. O Plenário aprovou a urgência para o Projeto de Lei 3677/21, do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), que determina que os preços de venda praticados pela Petrobras devem levar em conta os custos de produção e refino em moeda nacional acrescidos de um índice de lucro. Pela proposta, esse índice será definido pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Com a urgência aprovada, o projeto pode ser votado já na próxima semana. O novo adiamento da votação da reforma tributária na Comissão de Constituição e Justiça, na última terça-feira (31), praticamente eliminou as chances de a proposta ser aprovada este ano pelo Senado. O presidente Rodrigo Pacheco reconheceu que, embora apoie a PEC 110, não há votos suficientes para aprová-la. O quórum chegou a ser atingido, mas o senador Jorge Kajuru (Podemos-GO) retirou sua presença para derrubar a reunião. Prefeitos dos grandes municípios e os setores de serviço e comércio resistem à reforma.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *