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Cunha se defendeu na tribuna diante de um plenário lotado, mas não convenceu os pares a salvá-lo da degola

Por 450 votos a 10, Câmara cassa mandato de Cunha; deputado fica inelegível por oito anos

12.09.2016 23:50 0
Atualizado em 07.12.2016 17:44

Reportagem Em
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[fotografo]Luis Macedo/Câmara dos Deputados[/fotografo]

Cunha se defendeu na tribuna diante de um plenário lotado, mas não convenceu os pares a salvá-lo da degola

O Plenário da Câmara acaba de aprovar, por 45o votos a 10, com nove abstenções, o pedido de cassação do mandato do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) por quebra de decoro parlamentar. Além da perda de mandato, o peemedebista é atingido pelos efeitos da Lei da Ficha Limpa e, consequentemente, também fica condenado à perda dos direitos políticos por oito anos, com declaração automática de inelegibilidade. Ao todo, foram 335 dias de disputa desde que, em 13 de outubro de 2015, Psol e Rede protocolaram representação que resultou no processo por quebra de decoro parlamentar. Com o resultado, Cunha perde o foro privilegiado, fica fora da vida pública até 2027 (oito anos depois do fim do seu mandato, que chegaria ao fim em 1º janeiro de 2019) e passa a ser investigado na 13ª Vara Federal de Curitiba (PR), sob a responsabilidade do juiz Sérgio Moro.

Eis os dez deputados que votaram para salvar o mandato do peemedebista: Arthur Lira (PP-AL), Carlos Andrade (PHS-RR), Carlos Marun (PMDB-MS), Dâmina Pereira (PSL-MG), João Carlos Bacelar (PR-BA), Jozi Araújo (PTN-AP), Júlia Marinho (PSC-PA), Marco Feliciano (PSC-SP), Paulo Pereira da Silva (SD-SP) e Wellington Roberto (PR-PB).

Confira como cada deputado votou na cassação de Cunha

Os deputados que faltaram à votação de Cunha

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O resultado da votação foi anunciado pelo Primeiro-Secretário da Câmara, Beto Mansur (PRB-SP), às 23h51 desta segunda-feira (12). O relatório de Marcos Rogério (DEM-RO) aprovado em plenário foi o mesmo a ser submetido ao Conselho de Ética em 14 de junho. Na ocasião, o parecer foi avalizado pela maioria dos membros do colegiado com o pedido de punição máxima (cassação de mandato) ao peemedebista, réu em duas ações penais da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF) e acusado de ter mentido aos pares, em 12 de março de 2015, em depoimento espontâneo na CPI da Petrobras – este, o motivo aventado no processo por quebra de decoro parlamentar. Questionado se possuía contas no exterior, Cunha disse que jamais as abriu fora do país, mas autoridades suíças e brasileiras comprovaram o contrário.

Como este site mostrou mais cedo, adversários de Cunha chegaram a denunciar uma manobra do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no sentido de beneficiar o antecessor, uma vez que a sessão apresentava quórum insuficiente de votação e, por isso, Maia já havia suspendido os trabalhos de plenário uma vez. No entanto, no transcorrer da segunda-feira atípica, dia da semana em que o Congresso recorrentemente esvaziado, o número de presenças aumentou e, diante do plenário cheio, Cunha viu seus últimos apoiadores jogarem a toalha de sua defesa.

Foram mais de nove meses de manobras e muita polêmica, dentro e fora da Câmara, até que o processo viesse a ser aprovado no Conselho de Ética. O episódio ficou marcado pela expectativa quanto à escolha da deputada Tia Eron (PRB-BA), considerado o voto de minerva no colegiado. “Precisam chamar Tia Eron para resolver… Tia Eron está aqui, para resolver o que o os homens sozinhos não conseguiram resolver”, disse a parlamentar baiana na ocasião.

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Durante a sessão desta noite, defesa e acusação falaram por cerca de 1 hora e 15 minutos, em que um terço desse tempo foi usado por Cunha e seu advogado, Marcelo Nobre. Depois da fase de argumentação, alguma discussão se instalou em plenário, com troca de acusações entre parlamentares e pedidos de votação de textos alternativos, apresentados por aliados do peemedebista.

Um dos principais defensores de Cunha durante todo o processo, Carlos Marun (PMDB-RS) queria que uma punição mais amena fosse aprovada, por meio de projeto de resolução apresentado João Carlos Bacelar (PR-BA). Marun chegou a pedir até mesmo a suspensão da votação, mas pouquíssimos deputados se manifestaram a favor da ideia do fiel escudeiro de Cunha. Ambas as sugestões foram rejeitadas e, superada essa etapa, a maioria do plenário aprovou o encerramento das discussões, abreviando um debate que registraria a intervenção de 39 inscritos. Nem a súplica mais veemente de Cunha durante a sessão foi capaz de evitar a derrota por ampla maioria.

“Eu não menti à CPI! Eu não menti! Não tem o número da conta e o banco da conta que seja conta movimentada por mim! Cadê a prova? Não trouxeram uma prova! E eu estava numa CPI espontaneamente, não estava sob juramento. E a nossa Constituição não nos obriga a fazer prova contra nós mesmos”, vociferou o agora ex-deputado, mantendo não só a mesma versão de sua defesa desde o início, mas também o tom de superioridade que marcou sua passagem pelo comando da Câmara.

Depois do discurso, o peemedebista deu coletiva de imprensa e demonstrou todo a sua indignação com o que aconteceu. E, no que já é interpretado como uma ameaça ao governo Temer, fez críticas à gestão do aliado e até acusação de que houve combinação com o PT e o próprio presidente da Câmara para derrubá-lo.

Veja no vídeo:

 

Batalha desigual

Durante as intervenções de plenário, a grande maioria dos parlamentares discursou contra Cunha – a exemplo que aconteceu durante a votação do impeachment de Dilma Rousseff, em 17 de abril, quando o movimento majoritário estava voltado contra a petista. Apenas Marun e Delegado Edson Moreira (PR-MG) se revezavam nos microfones da tribuna para defender o colega.

Um dos discursos mais duros foi o da deputada Clarissa Garotinho (PR-RJ), adversária local de Cunha no Rio de Janeiro. Foi dela que partiu uma das perguntas que complicaram a vida do peemedebista na CPI da Petrobras, com referência às contas secretas do deputado no exterior. “Vossa excelência se afirma evangélico. Deveria se lembrar de um versículo que a Bíblia diz, um versículo muito importante que trata, deputado, de dinheiro. O versículo está em Timóteo e diz que o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males. Esse foi o mal de vossa excelência”, disparou Clarissa, evangélica como o desafeto.

Houve também quem tenha se lembrado dos aliados de Cunha. “Eu queria estranhar a ausência, aqui, do líder do governo [André Moura, PSC-SE] e do presidente da CPI da Petrobras [Hugo Motta, PMDB-PB]”, protestou o líder do Psol, Ivan Valente (SP). “Nós vamos derrubar Eduardo Cunha por corrupção!”, acrescentou Ivan, aos gritos, ainda antes do início da votação.

Outro dos principais adversários de Cunha voltou a artilharia contra o comando do governo Michel Temer, que comanda o PMDB há mais de dez anos e também é aliado de Cunha. “Alguns parceiros seus, Eduardo Cunha, agora são ministros de Estado”, emendou Silvio Costa (PTdoB-PE), arrematando com a previsão de que peemedebista não teria “30 votos” contra a cassação – estimativa confirmada com 20 votos de folga. “O primeiro a lhe abandonar foi o golpista Michel Temer!”, acrescentou.

[fotografo]Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil[/fotografo]

No discurso de defesa, Cunha manteve as mesmas versões e o estilo agressivo

Rosário de acusações

Abaixo, um resumo sobre as acusações contra o peemedebista, que rompeu com o governo Dilma em 17 de julho de 2015 e, no mesmo dia, deu aval à análise formal de 11 pedidos de impeachment presidencial, como este site mostrou com exclusividade. Meses depois, Cunha viraria o primeiro réu da Lava Jato com foro privilegiado (direito a ser julgado apenas no STF).

Lista de Janot

Em março deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) abriu inquérito – processo de investigação formal que pode levar a denúncia ou ao encerramento das apurações – contra Eduardo Cunha e outros 34 congressistas, entre senadores e deputados.

A solicitação de abertura de inquérito contra Cunha, por corrupção e lavagem de dinheiro, tomou forma após o doleiro Alberto Youssef, apontado como um dos principais operadores do esquema de corrupção da Petrobras, citar o nome do peemedebista em seu depoimento de delação premiada. Youssef o apontou como um dos beneficiários das propinas vindas de contratos de aluguel de navio-plataforma das empresas Samsung e Mitsui.

Samsung e Mitsui

Youssef, que fazia a triangulação entre empreiteiras e agentes públicos envolvidos na corrupção da Petrobras, também disse que aliados de Cunha se utilizaram de requerimentos apresentados à Câmara contra a Samsung e a Mitsui para pressionar as empresas a retomarem o pagamento de propinas, que elas haviam suspendido. O doleiro contou ainda que Júlio Camargo, representante das empresas, repassava as “comissões” sobre os contratos ao PMDB e que interrompeu as transferências por meio de Fernando Baiano, apontado como operador direto do partido.

Os requerimentos em questão foram apresentados por uma fiel aliada de Cunha, a então deputada federal Solange Almeida (PMDB-RJ) ingressou com dois requerimentos, em 2011, na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara solicitando auditorias para contratos e esclarecimentos sobre a relação da Toyo Setal, Mitsui, Samsung e do executivo Júlio Camargo com a Petrobras.

Propina de US$ 5 milhões

No último mês de julho, revelou-se conteúdo da delação premiada de Júlio Camargo. O executivo contou aos investigadores da Operação Lava Jato que Cunha exigiu dele o pagamento de US$ 5 milhões em propina, como forma de viabilizar contratos de navio-sonda da Petrobras. “Foi extremamente amistoso, dizendo que não tinha nada pessoal contra mim, mas que havia um débito meu com o Fernando [Baiano] do qual ele era merecedor de US$ 5 milhões. E que isso estava atrapalhando porque estava em véspera de campanha”, disse Camargo. Youssef, Baiano e o lobista João Augusto Henriques, que também optou pela delação premiada, também confirmaram o pagamento dos US$ 5 milhões a Cunha.

Denúncia ao STF

Em agosto, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, formalizou no Supremo denúncia contra Eduardo Cunha (assim como contra o senador alagoano Fernando Collor, do PTB). Até hoje, o STF não se manifestou sobre a aceitação da denúncia, o que colocaria Cunha na condição de réu de uma ação penal. Com base nos depoimentos e nas provas que indicam o repasse da propina milionária, Janot pediu, além da condenação criminal, que Cunha restitua R$ 80 milhões à Petrobras.

Contas na Suíça

O cerco a Eduardo Cunha se fechou ainda mais quando, no fim de setembro, o Ministério Público da Suíça encaminhou à PGR documentos relativos a uma investigação contra o deputado em andamento no país europeu. No dossiê, extratos bancários, cópias de passaporte e comprovante de residência indicando que Cunha e seus familiares eram beneficiários finais de quatro contas em instituição financeira suíça, o banco Julius Baer. No saldo, 2,4 milhões em francos suíços (cerca de R$ 8,8 milhões, pelo câmbio de 7 de dezembro). Investigadores da Operação Lava Jato informaram que possivelmente as contas eram irrigadas com propinas oriundas de venda de um campo de petróleo da Petrobras em Benin, na África.

[fotografo]Luis Macedo/Câmara dos Deputados[/fotografo]

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Conselho de Ética

Acusado de mentir na CPI da Petrobras, na qual Cunha depôs voluntariamente seis dias após seu nome aparecer entre os investigados da Lava Jato, o peemedebista responde por quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética da Câmara. Com base na denúncia da PGR e na descoberta das contas secretas na Suíça, o Psol e a Rede entraram com representação pedindo a cassação do mandato de Cunha.

Em seu depoimento à CPI da Petrobras, Cunha negou possuir contas no exterior. Pelas regras da Casa, mentir ou omitir dados sobre declaração de renda é considerado quebra de decoro parlamentar.

Contas nos EUA

Em outubro, o Supremo autorizou a abertura de novo inquérito contra o presidente da Câmara para investigar as contas secretas no exterior atribuídas ao peemedebista. Nesse caso, também é apurado o pagamento da propina de US$ 5 milhões para o deputado fluminense.

No pedido de investigação, Janot também apontou que Cunha, além das contas na Suíça, possui contas em banco nos Estados Unidos desde os anos 1990, com patrimônio não declarado à Receita Federal de R$ 60,8 milhões. A PGR diz ter indícios suficientes de que o dinheiro nas contas do peemedebista é “produto de crime”.

A investigação encaminhada ao STF é composta por registros de movimentações do banco Julius Baer. De acordo com a instituição financeira, Cunha tem bens avaliados em US$ 16 milhões, o que equivale a mais de R$ 60 milhões no câmbio atual. Na declaração prestada ao Tribunal Superior Eleitoral, à época da campanha eleitoral do ano passado, o deputado declarou possuir patrimônio de R$ 1,6 milhão.

Propina de R$ 45 milhões

Em busca e apreensão realizada pela Operação Lava Jato dias após a prisão do senador Delcídio do Amaral (PT-MS), os investigadores encontraram na casa de Diogo Ferreira, chefe de gabinete do então líder do governo no Senado, uma anotação com informações sobre o pagamento de R$ 45 milhões a Cunha e ao PMDB em troca de benefício incluído na MP 608/13. “Em troca de uma emenda à Medida Provisória número 608, o BTG Pactual, proprietário da massa falida do banco Bamerindus, o qual estava interessado em utilizar os créditos fiscais de tal massa, pagou ao deputado federal Eduardo Cunha a quantia de R$ 45 milhões”, diz o texto.

A MP 608 permitiu ao Banco Central determinar a extinção de dívidas de bancos ou sua conversão em ações para preservar o “regular funcionamento do sistema financeiro”, de acordo com os critérios estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

Ele nega

Cunha nega todas as acusações. Entre as desculpas já apresentadas, o peemedebista diz ser perseguido pelo governo, que, segundo ele, age mascarado pelas investigações conduzidas pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Primeiramente, ele refutou com veemência que possuísse contas no exterior. Depois, disse que era apenas “usufrutuário” de ativos mantidos na Suíça. Para justificar a origem do dinheiro não declarado à Receita, o parlamentar fluminense afirmou que os recursos foram obtidos com a venda de carne enlatada na África e com operações no mercado financeiro.

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