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Governo e base alardearam vitória para enterrar a denúncia contra Temer como vitória expressiva, o que não corresponde com as reconfigurações do jogo político em Brasília

Governo ainda pode aprovar deformas e prosseguir desmontes

05.08.2017 09:30 0

Reportagem
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[fotografo]Gilmar Felix / Agência Câmara[/fotografo]

Governo comemorou sucesso em enterrar denúncia, mas Temer terá de reorganizar sua base se quiser aprovar reformas

O resultado da votação da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente ilegítimo trouxe motivos de regozijo à oposição e ao governo. Em ambos os casos, os motivos são reais, exacerbados, obviamente, por razões variadas. A oposição conseguiu estender a duração da votação e colocar os deputados governistas para votar a base de constrangimento, acompanhados pelo rádio, televisão e pelas redes sociais. O governo conseguiu sobreviver com muito toma-lá-dá-cá, cargos, liberação de emendas e, provavelmente, malas de dinheiro que a Polícia Federal não vai rastrear.

Contudo, é nítido que, como quase sempre, os fatos mostram uma situação diferente da que é apontada por vencedores e vencidos, em especial pois, nesse caso. Publicamente, o resultado é celebrado como vitória expressiva por ambos. E não é.

A votação das deformas econômicas, a da Previdência e a Tributária – que ninguém sabe bem qual é a proposta, mas já se sabe a que vem –, não possui seu destino vinculado à votação da denúncia da PGR. São questões distintas, que guardam relação bem mais de forma que de conteúdo.

É preciso, a princípio, diferenciar o governo Temer, seu núcleo de poder e a – horrorosa – figura presidencial, das macroagendas de que foi incumbido de tocar. Há alguns meses uma parte do consórcio que deu suporte ao processo de impeachment de Dilma Rousseff, formado pelos mais variados interesses, rompeu com Temer por priorizar a agenda macroeconômica e por identificar num governo tão sujo quanto possível, um real compromisso com os desmontes econômicos e sociais. Além disso, um governo mais preocupado em se proteger, por meio do foro privilegiado e dos instrumentos de poder institucionais, dinheiro, cargos e controle da máquina estatal, das investigações da Lava Jato e da sanha moralista e messiânica do Ministério Público.

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Assim, o resultado da votação da quarta-feira, 2 de agosto, traz impactos à agenda legislativa, porque após essa votação o governo precisará reorganizar sua base. O “Centrão” vai cobrar a conta em cargos no primeiro, no segundo e em todos os escalões, há indícios de que a lealdade do Presidente Rodrigo Maia, à qual alguns aliados já vincularam parte da vitória na votação, simbolize um reordenamento na distribuição das cadeiras na mesa de comando, com a ampliação do espaço do DEM e redução dos lugares do PSDB. É a conta da política. Houve um perceptível distanciamento do DEM e do PSDB nesse processo, proporcional à aproximação entre DEM e PMDB, ambos com possíveis reflexos em 2018.

É esse processo de reorganização da base, da Esplanada e dos lugares à mesa que vai dar o tom da possibilidade de aprovação das deformas em 2017. Porque o resultado da votação diz pouco a esse respeito. Os votos dos deputados dos partidos da base contrários ao presidente foram mais influenciados pela cada vez maior rejeição popular à figura presidencial que por motivos ideológicos às suas práticas ou agenda de governo. Compartilham dos métodos e são sócios na agenda. Com defecções consideráveis mas minoritárias em todos os partidos da base, cabe registro ao PPS e PSDB. No segundo, crucial é o desembarque do tucanato paulista, porque desde abril de 2016 Alckmin já defendia o apoio às reformas sem a composição do governo. Era, evidentemente, uma forma de garantir o compromisso tucano com os bancos e o patronato, sem compartilhar o desgaste de compor e sustentar um governo estruturado na base da sujeira tosca e grosseira de Cunha e Temer. No PPS, as declarações públicas de parlamentares como Alex Manente, de São Paulo ou o presidente da legenda, o ex-comunista Roberto Freire, não deixam dúvidas acerca do posicionamento pró-deformas do partido. Concluída na votação, a única transição formal para a oposição é do PSB, que deve perder deputados se não tocar logo os respectivos processos disciplinares e garantir os mandatos com a expulsão dos infiéis, quase um terço da bancada.

Outro fator essencial nesse quadro é que a parte do consórcio que depôs Dilma e rompeu com Temer não rompeu com as agendas macroeconômicas, pelo contrário, rompeu por elas. Assim, não haverá por parte da Globo e pela quase totalidade dos seus artistas cirandeiros qualquer movimentação contrária ao desmonte na Previdência. Sendo votada esse ano, os parlamentares favoráveis contam com a propaganda e os argumentos midiáticos que, se não foram capazes de convencer a maioria da população dos “benefícios” dessa medida desastrosa, dificilmente manteriam o clima de constrangimento da votação pró-Temer da quarta-feira.

Ainda não contabilizada adequadamente no jogo, mas que poderia ocupar o foco da oposição é a possibilidade de novas denúncias contra Temer pela PGR. Embora regimentalmente essas denúncias não tranquem a pauta da Câmara, elas trancam a pauta política, porque obrigam o governo a se movimentar para a contagem e compra de parlamentares. Nesse tipo de votação não há ideologia, apenas compromisso fisiológico. E ao contrário do que já se aventa por aí, é absolutamente possível comprar um canalha duas vezes, basta pagar.

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O relógio corre contra o tempo. Nesse caso, a aproximação do ano eleitoral é mais importante para viabilizar um enterro dessa deforma e de outros desmontes do que a virtual redução da base do governo pós 2 de agosto. Até porque os 45 votos a mais necessários ao quórum para mudanças na Constituição poderiam vir apenas das defecções no PSDB, PPS, PSD e DEM, sem apelar aos ausentes e aos nanicos. É fato que o presidente sai mais fragilizado e com maior rejeição desse processo, mas os desmontes prosseguem no horizonte, é preciso empurrá-los para mais longe.

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