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Levantamento mostra que a desigualdade na educação em sexualidade na América Latina explica a disparidade no ranking de gravidez na adolescência

EDUCAÇÃO SEXUAL

Gravidez na adolescência afeta desenvolvimento da América Latina

15.10.2021 14:20 0

Reportagem Em
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Diogo Cavazotti Aires *
Especial para o Congresso em Foco

Uma audiência na Corte Interamericana de Direitos Humanos expôs um problema que atinge a América Latina. Paola del Rosario Albarracín, então com 14 anos, era estudante de um colégio público no Equador e começou a apresentar baixo rendimento escolar. O vice-reitor da instituição ofereceu passá-la de ano, com a condição de manter relações sexuais com ela. Aos 16 anos a jovem se suicidou, por sua gravidez na adolescência. O Estado do Equador foi considerado culpado pela vulneração de direitos de Paola, entre eles o de uma vida livre de violência sexual no âmbito educativo, tendo em conta disposições da Convenção Interamericana para Prevenir, Sancionar e Erradicar a Violência contra a Mulher e da Convenção sobre os Direitos da Criança, documentos que visam garantir o respeito aos direitos humanos. 

O Unicef aponta que 80% das violências sexuais na América Latina são cometidas em meninas de 10 a 14 anos, sendo que 90% dos casos se repetem. A região é a segunda em mais casos de gravidez em adolescentes de 15 a 19 anos: 62 casos para cada 1000 jovens. Entretanto, este número oscila entre os países. Enquanto Chile tem 41 casos, Equador conta com 111, considerando a mesma faixa de análise. Brasil está na média do continente, o que não é um bom sinal. Os dados são do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), que analisou os números por 10 anos. 

Um levantamento feito pela reportagem mostra que a desigualdade no ensino e nas práticas de educação em sexualidade na América Latina explica a disparidade no ranking de gravidez na região. Como consequência, podem-se verificar outros problemas sociais: entre os 25 países com mais episódios de feminicídio e bullying no mundo, 14 e 10, respectivamente, estão na América Latina (dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe e da ONG Bullying Sin Fronteras, respectivamente). 

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A Unesco considera a educação sexual como forma de crianças e adolescentes receberem informações que permitam a tomada de decisões responsáveis na sexualidade e relações interpessoais. O relatório “Diretrizes Técnicas Internacionais sobre Educação Sexual” apresenta uma abordagem baseada em evidências de escolas e profissionais com um programa de sexualidade voltado para estudantes de 5 a 18 anos. O documento mostra que a educação sexual é elemento fundamental para a prevenção de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), redução de episódios de gravidez na adolescência (com maior conhecimento dos métodos contraceptivos), contribui para retardar o início da vida sexual e reduz casos coercitivos de violência. 

Mas os benefícios vão além dos direitos individuais. Estima-se que os países latino-americanos perdem, em média, 0,35% do Produto Interno Bruto devido à gravidez na adolescência (UNFPA). O número ajuda a traçar os benefícios que programas de educação sexual poderiam trazer, principalmente em se tratar de uma região com baixo Índice de Desenvolvimento Humano. Segundo o Banco Mundial, Brasil teria produtividade igual ou superior a 3,5 bilhões de dólares se mulheres adolescentes atrasassem a gravidez até os 20 anos de idade. A UNFPA apontou que mulheres que tiveram filhos na adolescência ganham em média 24% menos em comparações com as que foram mães na fase adulta. Estes dados contribuem, segundo a organização, a aumentar o ciclo de pobreza na América Latina.

O informe do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas de 2018 enfatizou a importância de que os países promovam acesso universal à educação sexual. Entretanto, ainda há resistência. Em 2020, uma resolução do México ao mesmo conselho abordou a importância da educação sexual no âmbito escolar, mas países foram contra, como Egito, Arábia Saudita, Rússia, Catar, Bahrein, Paquistão, Iraque e Brasil. 

Os recuos sobre esta temática no Brasil podem ser observados em recentes momentos do país. Em 2011, o Governo Federal anunciou a criação de um kit chamado “Escola sem homofobia”. O material abordaria situações relacionadas à diversidade sexual, também como forma de diminuir a violência contra a comunidade LGBTQIA+. O projeto foi suspenso quando deputados ameaçaram obstruir votações na Câmara e propor uma CPI. A presidente Dilma Rousseff declarou que o projeto não continuou pois o considerou inadequado. Em 2019, o presidente Jair Bolsonaro solicitou o recolhimento de cadernetas de saúde para adolescentes onde continham imagens de como prevenir a gravidez e ISTs. No ano seguinte, os ministérios da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e da Saúde anunciaram a campanha “Adolescência primeiro, gravidez depois – tudo tem o seu tempo”. Especialistas concluíram que a inciativa sugeria a abstinência sexual como melhor forma de evitar uma gravidez na adolescência e reconhecem que este não é o método mais indicado para tratar do tema. 

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Leis de educação sexual nos países da América Latina 

A Unesco mapeia políticas de educação com o intuito de traçar informações estatísticas sobre as situações sociais e educacionais da região. Após a reportagem analisar aproximadamente 500 documentos disponibilizados pela organização, foi possível avaliar a atenção dada à educação sexual na região. 

As leis de Argentina, Chile, Costa Rica e Uruguai são as que mais se aproximam do ensino sugerido nas convenções internacionais. Como resultado, as três últimas têm alguns dos menores índices de gravidez na adolescência na América Latina. Isso significa um sistema de saúde menos congestionado, menor evasão escolar por parte de mães jovens e menos crianças em famílias sem estrutura básica. 

A Argentina vem desenvolvendo ações de educação sexual nas escolas, pois estudo apontou a forte relação do suicídio na adolescência com assuntos relacionados a gênero, abuso sexual, orientação sexual e bullying, temas também abordados em uma educação sexual integral.

Há situações em que tragédias promoveram o debate e mudança de pensamento. Em 2014, o colombiano Sergio Urrego, 16, decidiu tirar a própria vida após ter sofrido discriminação por profissionais da escola onde estudava, devido à sua orientação sexual. Dias antes do crime prescrever, a psicóloga do colégio foi declarada culpada e a mãe da vítima criou um instituto para ajudar familiares e jovens que passam por situações semelhantes. 

O tema ainda é controverso. Algumas escolas e pais apresentam resistência sobre o assunto e acham que abordar a educação sexual na escola pode causar uma erotização do sexo e antecipar experiências. Segundo a especialista Mary Neide Figueiró, autora de quatro livros sobre o tema, além de trabalhar conceitos de sexualidade na biologia e fisiologia, “a educação sexual tem como foco a formação integral da criança, adolescente e jovem, desenvolvendo valores como respeito a si e ao outro, justiça, igualdade, amor, fraternidade, empatia, o que contribui para reforçar a humanidade nas pessoas e torná-las aptas a contribuir com um mundo de paz”.

* Reportagem realizada por meio da bolsa de investigação jornalística Red Dialoga da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Programa Estado de Direito para a América Latina Fundação Konrad Adenauer

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