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Rentismo & desigualdade

02.08.2013 07:00 1

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Um texto recente de Joseph Stiglitz para a Vanity Fair nos chamou a atenção: ele afirma que desigualdade e rentismo financeiro produzem não só injustiça, porém mais e mais ineficiência.

Stiglitz começa lançando sua premissa básica: a desigualdade nos Estados Unidos aumenta há décadas, ainda que a direita negue esta realidade, analistas sérios de todo o espectro político reconhecem o fenômeno. Não é preciso elencar todas as evidências, basta lembrar que a diferença entre o 1% mais rico e os 99% mais pobres é muito vasta quando analisada em termos de rendimento anual, e ainda maior quando observamos o capital acumulado e outros bens.

Considere-se a família Walton: os seis herdeiros do império do Walmart possuem uma riqueza combinada de cerca de US$ 90 bilhões, o que é equivalente à riqueza somada dos 30% mais pobres entre os norte-americanos (e muitos deles possuem patrimônio líquido zero ou negativo, especialmente depois do colapso imobiliário).

Ironicamente, o hiper-rico Warren Buffet situou o tema de forma correta quando disse: “Houve uma guerra de classes nos últimos 20 anos e a minha  ganhou.”

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Portanto, o debate real não é sobre o fenômeno da desigualdade, mas sobre seu significado. À direita, ouve-se o argumento de que a desigualdade é basicamente uma coisa boa: se os ganhos dos ricos crescem, toda sociedade segue em seu vácuo. Esse argumento é falso: enquanto os ricos ficam mais ricos, muitos norte-americanos (e não apenas os empobrecidos) não conseguem manter seu padrão de vida, muito menos avançar. Um trabalhador em tempo integral típico ganha hoje o mesmo salário que recebia três décadas atrás.

Entre a esquerda, por outro lado, o crescimento da desigualdade frequentemente provoca um apelo por justiça: por que tanto dinheiro na mão de tão poucos? Não é difícil entender o porquê numa era sob o império do mercado – na qual a própria justiça se tornou uma mercadoria, a ser comprada e vendida. Mas alguns rejeitariam o argumento, posto que encharcado de sentimentos piedosos.

Contudo, sentimentos à parte, existem boas razões para que os próprios plutocratas se importem com a desigualdade, nem que seja por egoísmo, até porque ricos não existem num vácuo. Necessitam duma sociedade que funcione em torno deles, sustentando sua posição. A evidência histórica é inequívoca: vamos chegar a um ponto em que a desigualdade desencadeará disfunções econômicas que se espalharão por toda a sociedade. Quando isso acontecer, até os ricos pagarão caro.

Quando um grupo social concentra muito poder, procura assegurar políticas que beneficiam a si próprio a curto prazo, ao invés de contribuir, a longo prazo, para a sociedade como um todo. Foi o que ocorreu nos EUA quanto às políticas tributárias, regulatórias e de investimento público. As consequências (aumento dos rendimentos e da riqueza em favor de um único setor da sociedade) tornam-se visíveis quando se observam os gastos das famílias, um dos motores da economia norte-americana.

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Não por acaso, os períodos em que setores mais amplos da sociedade norte-americana registraram aumento dos rendimentos líquidos – ou seja, quando a desigualdade foi reduzida, em parte graças a impostos progressivos – foram aqueles em que a economia cresceu mais rápido. Também não é por acaso que a atual recessão, assim como a Grande Depressão, foi precedida por muita desigualdade.

Quando muito dinheiro é concentrado no topo da sociedade, os gastos da classe média tornam-se menores. A concentração do dinheiro reduz o consumo porque indivíduos de renda mais alta consomem uma fração muito menor de seus rendimentos, se comparados às pessoas de rendimentos mais baixos.

Quanto mais o dinheiro fica concentrado nas classes ricas, mais a demanda agregada declina. A não ser que “algo a mais” aconteça, na forma de intervenção, a demanda total será menor do que a economia é capaz de oferecer. Significa que haverá um aumento no desemprego, o que vai enfraquecer a demanda ainda mais. Nos anos 1990, a bolha da tecnologia foi este “algo a mais”. Na primeira década do século 21, foi a vez da bolha imobiliária. Hoje, o único recurso, em meio a uma profunda recessão, são os gastos do governo – exatamente o que o pessoal no topo da pirâmide está tentando refrear.

O problema do rentismo: a magnitude da “caça à renda” na economia norte-americana é imensa. Indivíduos e empresas que se aprimoram nessa atividade são fartamente recompensados. O setor financeiro – que hoje funciona em grande medida como um mercado de especulação, ao invés de instrumento para promover produtividade econômica autêntica – é caçador de rendas por excelência. A prática não se limita à especulação. Esse setor extrai renda também de seu controle sobre os meios de pagamento – por exemplo, cobrando tarifas exorbitantes nas operações bancárias e cartões de crédito, ou impondo aos vendedores tarifas arbitrárias repassadas aos consumidores.

O dinheiro que o setor financeiro extrai dos norte-americanos pobres ou de classe média, por meio de práticas predatórias de crédito, pode ser visto como uma forma de renda de monopólio. Nos últimos anos, esse setor apropriou-se de cerca de 40% de todo o lucro empresarial nos EUA, algo totalmente distante de sua contribuição social. A crise mostrou, ao contrário, como ele pode espalhar devastação pela economia. Numa sociedade de caça à renda como a atual, retorno financeiro e retribuição à sociedade estão perigosamente fora de sintonia.

Em sua forma mais simples, a renda não é nada mais que transferência de riqueza – de uma parte da sociedade para os caçadores de renda. Muito da desigualdade em nossa economia resulta dela, porque este processo extrai recursos da parte de baixo da pirâmide e os concentra no topo.

Mas há uma consequência econômica mais ampla: a luta pela apropriação de renda é, na melhor das hipóteses, uma atividade de soma-zero. O rentismo não produz crescimento algum. Seus esforços são única e exclusivamente direcionados a abocanhar uma parte cada vez maior do bolo, ao invés de fazê-lo crescer.

Mais: o rentismo distorce a alocação de recursos e torna a economia frágil. É uma força centrípeta: seu retorno se torna tão desproporcional que cada vez mais energia é dirigida a essa atividade, sacrificando-se todo o resto.

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