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São Paulo - Manifestação em defesa dos direitos das mulheres e dos negros (Rovena Rosa/Agência Brasil)

Não veio do céu, nem das mãos de Isabel!

15.05.2019 10:31 1

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O dia 14 de maio de 2019 entrará para a história como o dia em que parlamentares adeptos da pós-verdade e seus seguidores tentaram usar o Plenário da Câmara dos Deputados, em Sessão Solene comemorativa do aniversário de 131 anos da Lei Áurea (cuja data oficial é 13 de maio), para esconder a história de luta do povo negro.

A Lei Áurea nunca foi admitida como motivo de comemoração pelo movimento negro. Isso porque o fim da escravidão foi consequência das lutas e revoltas promovidas por negras e negros nos quilombos, nas fazendas e nas cidades — o fim da escravidão não foi um presente concedido por uma princesa.

A resistência à escravidão inviabilizou o sistema escravocrata, tanto da perspectiva econômica como da perspectiva social. Muitas negras e negros morreram durante essas revoltas — e comemorar o aniversário da Lei Áurea é simplesmente ignorar essa história, é uma tentativa de transformar a nossa liberdade, conquistada por nós, em uma simples concessão da nobreza.

Que fique claro: a conquista da liberdade dos negros e negras brasileiros é incompatível com o histórico racista e elitista que caracterizava a nobreza durante o Império. O inconformismo da classe dominante diante da formalização da liberdade do povo negro pode ser aferido pela ausência de qualquer política de reparação em razão da escravidão. Nenhuma indenização, nenhum pedaço de terra, sequer o direito ao trabalho nos foi proporcionado.

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Com isso, nos restaram os barracos de madeira, equilibrados nos barrancos e perfumados pelo cheiro horrível de esgoto no quintal, como já cantaram os Racionais MC’s. Viramos as principais vítimas da violência, especialmente daquela praticada pelos agentes do Estado. Também nos tornamos as principais vítimas do encarceramento em massa — e muitos, especialmente o sistema de justiça, veem em nossos traços os traços de um “marginal” padrão.

Ainda somos aqueles que possuem os empregos mais precários e recebem a renda mais baixa em nossa sociedade. Desde que nossos antepassados foram sequestrados da África e trazidos para cá, permanecemos integrando a maioria dos miseráveis do nosso país, mesmo trabalhando incansavelmente e ao longo de jornadas muitas vezes desumanas.

A Lei Áurea formalizou nossa liberdade, mas não nos reconheceu a condição de cidadãos. Fomos excluídos da sociedade e fomos forçados a lutar dia após dia, geração após geração, lutamos centímetro a centímetro do que conquistamos até hoje.

Esses são os motivos da nossa reação à Sessão Solene convocada para a comemoração dos 131 anos da Lei Áurea. Não permitiremos que nossa luta, sofrimento e sangue derramado sejam ignorados ou apagados da história. Não admitiremos que nosso sofrimento atual seja naturalizado por aqueles que estão no poder. Não assistiremos passivamente aos ataques de Jair Bolsonaro e de sua base aos poucos direitos que conquistamos após décadas de luta.

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São essas as bases do nosso protesto contra a comemoração dos 131 anos da Lei Áurea. Quero compartilhar o manifesto lançado durante o nosso evento na Câmara dos Deputados, assinado por entidades como o Movimento Negro Unificado (MNU); União de Negros pela Igualdade (Unegro); Frente Favela Brasil; Nosso Coletivo Negro; Rede Sapatá; Instituto Nacional Afro Origem (INAO); Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ); Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal e Entorno; Rede Nacional de Negras e Negros LGBT; Educafro; Casa Acotirene; Afromanas; Ubuntu: Frente Negra de Ciência Política da UnB; Associação Nacional dos Coletivos de Empresários e Empreendedores Afro-Brasileiros (ANCEABRA); Agentes de Pastoral Negros (APNS); Rede de Historiadorxs Negrxs; Rede Nacional de Mulheres Negras no Combate à Violência; e por diversos militantes e intelectuais negros indignados com a tentativa de apagar nossa história.

Parabéns a todas e todos pela mobilização, em especial à Professora Ana Flávia Magalhães Pinto, por sua luta em defesa da nossa história.

MANIFESTO EM MEMÓRIA DA LUTA DO POVO NEGRO PELA SUA LIBERDADE

SABEMOS que a assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, não inaugurou o acesso à liberdade para a população negra brasileira. A última abolição das Américas foi feita quando a maioria dos homens e mulheres de origem africana que sobreviveram aos horrores da escravidão já tinha encontrado outros meios para chegar formalmente à condição de pessoas livres ou libertas.

SABEMOS que, após três séculos sustentado por um sistema escravista que absorveu o maior quantitativo de africanos escravizados nas Américas, o Brasil não se fez um país racialmente harmônico. O racismo é uma marca da sociedade brasileira.

SABEMOS que homens e mulheres negras/os tinham e defenderam seus próprios projetos de liberdade. As lutas abolicionistas não se restringiram a indivíduos e grupos das elites brancas brasileiras. Muitos esforços pelo fim do escravismo foram protagonizados por abolicionistas negros/as em nome da garantia de condições básicas para a realização da democracia neste país.

SABEMOS que o pós-abolição tem sido marcado por tentativas de apagamento simbólico e físico da presença negra nesta sociedade. Os projetos de embranquecimento da população brasileira têm autorizado o sequestro da nossa condição de sujeitos históricos nos livros didáticos e a atualização de práticas cotidianas de genocídio que atingem, sobretudo, a juventude negra.

COMBATEMOS toda e qualquer tentativa de manutenção de mentiras que atentem contra a memória e a história das lutas negras por liberdade e cidadania! A medida da nossa existência não é dada pela boa-vontade ou pelos caprichos das elites brancas deste país.

AFIRMAMOS que a nossa liberdade é inegociável. Nenhum passo atrás! Nenhuma gota de sangue a mais! Nenhuma pessoa negra a menos!

PAREM DE NOS MATAR!

Brasília, 14 de maio de 2019.

A carne mais barata do mercado

Licença para matar

 

Uma resposta para “Não veio do céu, nem das mãos de Isabel!”

  1. Ernesto Freire Pichler disse:

    Tinha que ser um “príncipe”, ou seja, um sabujo do parasitismo monárquico, escravista, para dizer que “a escravidão sempre foi normal”.

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