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Há muito trabalho construído e desenvolvido pelas mulheres negras, abafado estrategicamente pela violência política de gênero e raça a que são expostas. [fotografo] Mariana Maiara [/fotografo].

O que tentam esconder através da violência política de gênero e raça no Brasil?

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06.02.2021 15:26 0
Atualizado em 10.10.2021 16:51

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O que restaria para nós, sem a violência política de gênero e raça do Brasil? Uma história diferente, é claro. E nessa história outra gramática política, com diretrizes que ampliam a compreensão sobre os sujeitos de direito e agendas sobre meio ambiente, saúde, trabalho, seguridade social, educação, apenas para citar algumas das mencionadas no documento analítico da Marcha das Mulheres Negras Contra a Violência e pelo bem Viver, de 2015.

Em um universo de sub-representação, para os incautos, a simples presença de mulheres em sua diversidade – e aqui tratarei especificamente das mulheres negras- evidenciaria os problemas de uma composição parlamentar hegemonicamente masculina e branca em um país, diferentemente, feminino e negro. Mas a exposição dessa massa uniforme que hoje vemos na política revela mais: revela um modelo de gestão falido, que amplia desigualdades enquanto promete gerenciar crises.

As mulheres negras, por sua vez, vêm desenvolvendo associativamente um projeto político sobre esse país e que tem por característica enfrentar crises para diminuir desigualdades. É o justo oposto. Projeto esse que vem há décadas sendo ora interrompido ora colocado em segundo plano, diante da emergência de assegurarmos a vida dessas mulheres. Há uma clara estratégia de bloqueio à presença e história das mulheres negras na política no Brasil, e que tem nome, práticas conhecidas e casos tristemente emblemáticos: falamos da violência política de gênero e raça.

Afirmo que nesse país, em que o racismo estrutura as relações, impossível seria que a violência política de gênero tivesse como vítimas as mulheres em sua diversidade sem a marca da perversidade sobre os corpos e vidas das mulheres negras. Sobretudo se considerarmos as raízes coloniais dessa violência, de expressões tão agudas quanto corriqueiras, misturadas ao íntimo do racismo à brasileira. Quem aqui não se lembra do episódio em que a ex-Senadora Regina Souza (PT) foi chamada de “tia do cafezinho” durante uma sessão plenária, por jornalistas? Infelizmente, casos como esse, não são nada incomuns na vida parlamentar de mulheres negras.

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Mas acontece que a expressão eleitoral dessas mulheres parece ter implicado num crescente de ataques, que vêm se tornando (ainda) mais graves, deixando por terra o mal-ajambrado disfarce. Desde o resultado das eleições de 2020, com a votação acachapante de vereadoras negras (cisgênero e transgênero) por diversas cidades no Brasil, inclusive capitais, acompanhamos uma crescente e ininterrupta sequência de ataques a essas novas parlamentares e a uma prefeita (essa também uma mulher negra, Suellen Rossim, da cidade de Bauru).

Da imprescindível Érika Hilton (PSOL) à Carol Dartora (PT), primeira e terceira vereadoras mais votadas de São Paulo e Curitiba respectivamente, passando pelas demais co-vereadoras atacadas nas últimas duas semanas, essas mulheres têm visto o seu exercício político violado quando, além de ameaçadas precisam desenvolver em primeiro lugar estratégias para assegurar suas vidas, na maioria das vezes sem suporte adequado das Casas Legislativas e/ou de seus partidos políticos. Apenas depois dessas medidas têm a oportunidade (que na bem da verdade, em qualquer democracia, é um direito) de defender o trabalho e projeto para o qual foram eleitas em seus municípios.

>Mulheres negras e poder: um novo ensaio sobre as vitórias

Quantos de vocês já pararam para se perguntar sobre qual é o programa político que as mulheres negras eleitas têm para os seus municípios e para o Brasil?

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Já em 2015, o movimento de mulheres negras marchou até Brasília. Após três anos de intensa mobilização nos estados, cidades e interiores, em 18 de novembro, a capital da República acordou com a presença de mais de 50 mil mulheres negras na Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo, a Violência e Pelo Bem Viver. Essas integrantes do movimento de mulheres negras brasileiras – jovens e idosas, de religiões de matriz africana e evangélicas, empregadas domésticas e quilombolas, estudantes e professoras, sindicalizadas e desempregadas, artistas e funcionárias públicas, em um matiz sem fim de pertencimento político – foram à Brasília como militantes e lideranças de um país que precisa, urgentemente, praticar a justiça racial e social.

O seu Documento/Manifesto descreve uma densa elaboração sobre agendas indispensáveis para o desenvolvimento nacional e em defesa da vida. E nesse mesmo 2015, durante essa Marcha pacífica, carregando APENAS cartazes, se presenciou à luz do dia disparos de armas de fogo e ameaças contra a vida dessas mulheres. Sim, o grupo acampando há meses à frente do Congresso Nacional ousou o máximo: tiros contra as manifestantes. E tais ataques só cessaram após a deputada federal Benedita da Silva (PT) exigir, dentro do Congresso Nacional durante uma sessão plenária, que a polícia legislativa interviesse. E esse foi um episódio marcante que entrou para a história violenta do país, no lugar do documento regiamente elaborado sobre o que essas mulheres queriam para o Brasil.

Há muito trabalho construído e desenvolvido pelas mulheres negras, abafado estrategicamente pela violência política de gênero e raça a que são expostas. O programa “Roda Viva” que foi ao ar essa semana com a vereadora Érika Hilton revelou para o Brasil reflexões de uma parlamentar afiada, inteligente, que tinha muito a falar sobre seu programa de ação política. Revelou-se para quem quisessem ouvir um projeto político distinto daquele distorcido pelos seus detratores: inclusivo, com respostas práticas, que apresenta saídas para o cenário de horror no qual vivemos.

E aqui não se pretende homogeneizar as mulheres negras, nem seus trabalhos e projetos. Há sim, por aí, uma diversidade de intenções e práticas que não conhecemos plenamente. Por isso o que importa é saber por quanto tempo mais trataremos a violência política de gênero e raça como um problema de algumas, enquanto décadas de trabalho são invisibilizadas e adiadas, para garantirmos o básico: que essas mulheres estejam vivas para mostrarem, enfim, ao que vieram.

As manifestantes da Marcha de 2015, guerreiras e corajosas, puseram fim ao acampamento antidemocrático. Não foi o momento de corpos caídos. Pois não restam dúvidas: conhecer a política de mulheres negras vivas é um direito de todas e todos nós!

O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].

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