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Política, Brasília e os bastidores do poder como você nunca viu

Ministério das Relações Exteriores segue uma linha contínua de atuação que começa há 44 anos, no governo de Ernesto Geisel

Por que, com Bolsonaro, a ideologia volta ao Itamaraty

03.11.2018 08:30 3
Atualizado em 10.10.2021 17:41

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Pedro Paulo Rezende *

A frase do presidente da República eleito, Jair Messias Bolsonaro, representa bem o pensamento da direita sobre a política externa brasileira:

“Libertaremos o Brasil e o Itamaraty das relações internacionais com viés ideológico a que foram submetidos nos últimos anos. O Brasil deixará de estar apartado das nações mais desenvolvidas. Buscaremos relações bilaterais com países que possam agregar valor econômico e tecnológico aos produtos brasileiros. Recuperaremos o respeito internacional pelo nosso amado Brasil”.

Para o pensamento conservador, a política externa brasileira foi criada por Luiz Inácio Lula da Silva, sob orientação de Marco Aurélio Garcia, e tem influências comunistas. Durante o processo eleitoral, essa afirmação pode ser lida em várias páginas do Facebook e fóruns e quem costuma replicá-la, inclusive em páginas com viés de ódio, como meme tem certeza do que diz. No entanto, é um dos maiores exemplos de fake news, de que uma mentira, repetida milhares de vezes, ganha tons de verdade.

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O Ministério das Relações Exteriores segue uma linha contínua de atuação que começa há 44 anos, no governo de Ernesto Geisel, general de Exército e terceiro chefe de Estado do regime militar de 1964. É uma prova evidente de que o preconceito e a desinformação andam juntos e são péssimos conselheiros. Tudo começou com uma simples pergunta, feita em tom de gozação, que assombrou os corredores do Itamaraty: “O que traz mais prestígio: ser porteiro do country clube ou o bamba da gafieira?”

Viés ideológico

Juracy Magalhães: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”

Para o chanceler Juracy Magalhães, que assumiu a chancelaria em 16 de janeiro de 1966, nomeado pelo presidente (e general de exército) Humberto de Alencar Castello Branco, só havia uma resposta: ser o porteiro do country clube. Ele já deixara claro qual seria sua linha de atuação quando soltou uma pérola ao assumir a embaixada brasileira em Washington, em 1964: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”.

Era o raciocínio de um integrante ativo do Movimento Tenentista, que cumpriu missões espinhosas para o Estado Novo de Getúlio Vargas (foi interventor na Bahia) e que se retirou das atividades militares em 1956, com a patente de general de exército. Extremamente conservador, Juracy via os norte-americanos como campeões de democracia em um mundo claramente bipolarizado. Sua visão era maniqueísta: quem não seguia as determinações de Washington era cúmplice do Império do Mal (a expressão não existia na época) comandado pela União Soviética que queria espalhar o comunismo pelo mundo.

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Essa política de submissão total ao Departamento de Estado norte-americano sobreviveu à passagem de Juracy pelo Itamaraty. José de Magalhães Pinto, banqueiro e político mineiro, e Mário Gibson Barbosa deram prosseguimento ao alinhamento automático com os Estados Unidos. O apoio incondicional dado às ações de manutenção do colonialismo português, à África do Sul e a Israel foram expressas em todos os votos brasileiros na Organização das Nações Unidas (ONU) até a eleição, pelo Colégio Eleitoral, do general Ernesto Geisel para a Presidência da República.

Ele tomou posse em 15 de março de 1974. Quatro dias depois, na primeira reunião de gabinete, lançou uma novidade: as relações com os outros países seriam construídas dentro do que ele classificou de “pragmatismo responsável.” Critérios como ideologia e a forma de governo seriam ignorados em prol de um incremento nas exportações agrícolas, industriais e de serviços.

Antônio Francisco Azeredo da Silveira, o chanceler que correu para assumir o controle da “gafieira”

Para implantar esta política, o novo chefe de Estado brasileiro escolheu um diplomata de carreira para o Itamaraty: Antonio Francisco Azeredo da Silveira, que, como embaixador junto à República Argentina, demonstrara especial capacidade diplomática ao desanuviar parte das relações críticas entre Brasília e Buenos Aires.

Iniciado o novo governo, cercado de diplomatas jovens, conhecidos como barbudinhos, o novo chanceler correu para assumir o controle da gafieira. Além da busca por novos mercados no terceiro mundo, o “pragmatismo responsável” procurava romper o bloqueio imposto pelos parceiros tradicionais, principalmente os Estados Unidos, para impedir o nosso acesso a tecnologias modernas, inclusive nas áreas espacial e nuclear.

Ações subversivas

Em 25 de abril, o Brasil foi o primeiro país a reconhecer o governo português, inicialmente ligado à esquerda radical, que pôs fim à ditadura salazarista de quase meio século. Era a aplicação de uma nova postura diplomática a favor de descolonização e à abertura para novos mercados,

Ainda em 1974, Azeredo da Silveira participou da comitiva presidencial que compareceu ao encontro com o presidente paraguaio em Foz do Iguaçu (PR) no mês de maio, para a posse da diretoria da Companhia Hidrelétrica de Itaipu, e foi delegado de outro encontro presidencial Brasil-Paraguai ocorrido em Campo Grande, atual capital de Mato Grosso do Sul. Nesse mesmo ano chefiou as delegações brasileiras à Reunião de Chanceleres Americanos em Washington, à 29ª Sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque; à 15ª Sessão de Consulta de Ministros das Relações Exteriores do Continente, em Quito, no Equador, e à 4ª Assembleia Geral da OEA, em Atlanta, nos Estados Unidos.

O mundo vivia uma crise econômica desde que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) decidira aumentar o preço do produto, tradicionalmente vilipendiado pelos consumidores. Em resposta, o Brasil estabeleceu relações diplomáticas com os Emirados Árabes, o Bahrein e com Omã.

A audácia de Silveira não parou por aí. Em 15 de agosto, estabeleceu relações diplomáticas com a República Popular da China quebrando os laços que mantinha com a República da China, na época conhecida como Formosa (hoje, é Taiwan). A medida causou uma crise interna no Brasil. O ministro do Exército, Silvio Frota, manifestou seu mal-estar diretamente a Geisel. “Não se abandona um velho aliado assim.”

A partir deste momento, ele aplicou uma estrela vermelha imaginária no peito do presidente da República e no principal assessor palaciano, Golbery do Couto e Silva. Três anos depois, ele tentaria derrubar o governo. A manobra foi malsucedida e ele foi destituído do cargo. Frota contou sua versão no seu livro de memórias: Ideais Traídos: A mais grave crise dos governos militares narrada por um de seus protagonistas. Na obra, deixa claro seu inconformismo com as iniciativas do chanceler, que não pararam por aí.

É bem verdade que os Estados Unidos já tinham se aproximado de Pequim e que não havia razões econômicas que justificassem privilegiar os 20 milhões de habitantes de Formosa em detrimento de mais de um bilhão de pessoas sobre o controle de Beijing.

No dia 4 de setembro, ao receber o chanceler da Arábia Saudita, o Brasil se pronunciou pela primeira vez a favor da retirada de Israel dos territórios árabes ocupados e do reconhecimento dos direitos dos palestinos. Um ano depois, apoiaria a Resolução 3379 da Assembleia Geral das Nações Unidas, adotada em 10 de Novembro de 1975, que classificava o sionismo como uma forma de racismo.

Apostas de risco

Em pleno regime militar, Brasil foi o primeiro país a reconhecer o governo português, inicialmente ligado à esquerda radical, que pôs fim à ditadura salazarista

A nova visão anticolonialista do Itamaraty ficou evidente em 18 de julho de 1974 quando o Brasil reconheceu a independência da Guiné Bissau e apoiou o ingresso da ex-colônia portuguesa na ONU. A 27 de fevereiro de 1975 o Brasil estabeleceu relações diplomáticas formais com o governo de transição instalado em Luanda, Angola, tendo sido o único país no mundo a ter um representante diplomático em Luanda durante este período.

O governo, desde que o país se emancipou de Portugal, foi exercido pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que controlava a capital, Luanda. O grupo, de orientação comunista, com o apoio de tropas cubanas, passou a combater outros grupos rivais (FNLA e Unita), apoiados pelo Ocidente e pela China, resistindo também aos ataques de tropas sul-africanas e congolesas. Em novembro, assumiu o controle de quase todo o país. No entanto, seriam necessários 27 anos para que a Unita, comandada por Jonas Savimbi, apoiado pelo Ocidente, fosse definitivamente derrotada.

O folclore do Itamaraty conta que, antes da decisão, Silveira se encontrou com o presidente Ernesto Geisel no Palácio do Planalto. O chefe de Estado perguntou se os integrantes do MPLA eram sérios. A resposta do chanceler arrancou risos do sisudo general:

“Dom Pedro I era sério? E José Bonifácio? E a Princesa Leopoldina?”

Ao comparar os novos líderes angolanos com os pais da independência brasileira, Azeredo da Silveira obteve a assinatura do presidente.

Uma notícia que, além de surpresa (dado o sigilo das negociações), causou um forte impacto tanto no Brasil como no exterior foi a revelação do chanceler brasileiro, no dia 29 de maio de 1975, em Cochabamba, na Bolívia, de que o Brasil iria futuramente construir seus próprios reatores nucleares.

No dia 27 do mês seguinte, Silveira assinou em Bonn, na então República Federal da Alemanha, o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, envolvendo operações financeiras em torno de 80 bilhões de cruzeiros. O acordo previa a construção e a instalação de oito centrais nucleares, de uma usina de enriquecimento de urânio e de empresas para fabricação e reprocessamento de combustível atômico e prospecção de minérios.

O acordo foi um tiro na água. O sistema de enriquecimento, conhecido como jet nozzle, era ineficiente e caro. Dos oito reatores, apenas um ficou pronto. A obra do segundo, localizado na usina de Angra 3, ainda continua. Apesar disto, a tecnologia de fabricação e de soldagem de metais especiais, obtida da Alemanha, permitiu que o Brasil avançasse no projeto, desenvolvimento e fabricação de ultracentrífugas e se tornasse autossuficiente na produção de combustível nuclear.

Desacordo

Durante o governo Geisel, as embaixadas brasileiras proliferaram em países do terceiro mundo. O ano de 1976 iniciou-se com a criação no dia 5 de janeiro de seis novas embaixadas na África: as de Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné Equatorial, Alto Volta e Lesoto. Em entrevista concedida ao Jornal do Brasil em 12 de setembro de 1976, o chanceler Azeredo da Silveira reafirmou a determinação de seu ministério em seguir uma política anticolonialista e antirracista.

Em 27 de setembro, ao abrir a 31ª Sessão da Assembleia Geral da ONU, foi profético: exortou em seu discurso essa organização a atuar “em favor da transformação das estruturas econômicas responsáveis pela divisão do mundo em países pobres e ricos” e advertiu para o fato da “transferência de capital das áreas desenvolvidas para as menos desenvolvidas estar se tornando um mito, pois em breve passaria a correr em sentido oposto.”

Nesse discurso, o chanceler advogou “a abolição do uso irrestrito do direito de veto no Conselho de Segurança da ONU e a desestabilização da atual estrutura internacional para que se assegure aos Estados participação equitativa nas decisões que afetam seu futuro e o da humanidade”. Pouco antes, Azeredo da Silveira havia participado da Conferência Internacional de Apoio aos povos do Zimbábue, antiga Rodésia, e da Namíbia e da Conferência Mundial de Ação contra o apartheid, realizado em Lagos, na Nigéria.

Caneladas

Com a posse de Jimmy Carter na presidência dos Estados Unidos em janeiro de 1977, começaram os primeiros atritos entre o Brasil e o governo norte-americano. Em fins de janeiro, visitando Bonn, o vice-presidente americano, Walter Mondale, externou a posição de seu governo contrária ao acordo nuclear germano-brasileiro, colocando assim em xeque o memorando de entendimento assinado por Azeredo e Kissinger em fevereiro do ano anterior.

Esta atitude despertou reação negativa em Brasília, mas os Estados Unidos insistiram nesta posição. Em 7 de fevereiro, o secretário de Estado norte-americano Cyrus Vance sugeriu publicamente que o Brasil e a República Federal da Alemanha suspendessem temporariamente a execução do acordo nuclear para que os Estados Unidos tivessem tempo de fazer consultas mais amplas com os dois países. Dois dias depois o chanceler Silveira declarou à imprensa que o Brasil não via possibilidade de interromper ou suspender a execução do acordo.

Deteriorando-se o clima entre o Brasil e os Estados Unidos, em início de março foi lido no Congresso norte-americano um relatório sobre a situação dos direitos humanos em vários países, entre os quais o Brasil. O documento foi entregue pelo embaixador norte-americano ao governo brasileiro, que o devolveu em seguida e denunciou, em represália, o acordo de assistência militar Brasil-Estados Unidos, firmado em 1952, segundo o qual o Brasil deveria receber no decorrer de 1977, uma ajuda de cerca de 50 milhões de dólares. Como consequência, desenvolveu-se a Base Industrial de Defesa que conseguiu grandes exportações para a África, América Latina e o Oriente Médio.

Em meio à crise, o subsecretário de Estado Warren Christopher visitou Brasília para encontrar-se com o chanceler Azeredo da Silveira e discutir a questão do acordo nuclear. A visita, visivelmente frustrada, durou apenas quatro horas e o subsecretário, dando por encerradas as conversações, regressou a seu país.

A situação entre os dois países, no entanto, melhorou paulatinamente. De um lado, o governo brasileiro continuava, de forma “lenta e gradual”, o processo de democratização do país. De outro, o governo norte-americano desistia de pressionar contra o acordo nuclear. Em maio de 1977 o subsecretário Terence Todman visitou Brasília e, em junho, Rosalyn Carter, esposa do presidente americano, foi recebida pelo presidente Geisel. Na ocasião, além de conferenciar com o ministro Silveira, visitou o Congresso, o Supremo Tribunal Federal e, finalmente, Recife. Na capital pernambucana, ela se encontrou com o padre Lourenço Rosebaugh e o missionário Thomas Capuano, detidos pela Polícia Civil quando puxavam uma carroça cheia de restos de alimentos recolhidos em uma feira.

Eles foram torturados na Delegacia de Roubos e Furtos porque estavam mal trajados. Os agentes diziam que suas roupas não eram compatíveis com a situação social de ambos (leia mais aqui).

Amazônia

Confirmando a posição brasileira de relação preferencial com os países da América Latina, ainda em meados de maio de 1977, ao falar perante a Comissão de Relações Exteriores do Senado, Azeredo confirmou a existência de sondagens junto aos países vizinhos da Amazônia (Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Suriname, Guiana e Bolívia) “para uma ocupação harmoniosa da região”. Essa proposta representava uma medida de cautela contra a ideia de internacionalização da Amazônia, corrente na época. Estavam lançados os alicerces do Pacto Amazônico.

Azeredo da Silveira mostrou aos senadores o texto da carta que o governo brasileiro enviara às chancelarias dos países interessados e afirmou que, com exceção da Venezuela, que se mantinha silenciosa a respeito, os demais países haviam se manifestado positivamente. Em fevereiro de 1977, o governo venezuelano de Carlos Andrés Pérez apoiara a posição de Carter sobre a questão dos direitos humanos, manifestando-se, também, contra os riscos da proliferação nuclear na América Latina. Na ocasião, o Itamarati interpretou o pronunciamento como uma crítica e suspendeu uma visita do ministro das relações brasileiro a Caracas.

A reaproximação com a Venezuela teve início em dia 16 de novembro de 1977, do presidente venezuelano a Brasília. Nessa ocasião foi assinado um tratado de amizade e cooperação entre os dois países. No final do mês, a Venezuela enviou representantes para a primeira reunião preparatória do Pacto Amazônico, realizado em Brasília, à qual compareceram 26 diplomatas dos oito países interessados. Na ocasião ficou acertado que a segunda reunião também seria realizada em Brasília, no ano seguinte.

Tango

Com relação à Argentina, o chanceler Silveira não obteve grandes sucessos. Em julho, quando a Argentina fechou aos veículos de carga brasileiros o túnel das Cueva-Caravelas, que liga a Argentina ao Chile, o Brasil não tomou qualquer medida de retaliação, propondo ao governo argentino conversações bilaterais sobre todos os assuntos pendentes. Nesse mesmo mês, a convite do então ministro do Exército, o general Sylvio Frota, o chanceler Silveira fez para o Alto Comando, a portas fechadas, uma exposição sobre a política brasileira para com a Argentina. O projeto argentino de construção da hidrelétrica de Corpus, no rio Paraná, também deu margem a várias dificuldades diplomáticas entre os dois países, centradas nos problemas de sua compatibilização com o projeto de Itaipu.

A briga foi feia. A chancelaria argentina insistia na tese de que a construção da usina de Itaipu, acertada pelos governos do Brasil e Paraguai, rompia o compromisso firmado nos tratados anteriores de consulta a todos os países que compartilhassem a bacia hidrográfica do Paraná. Os argentinos também alegavam que Itaipu inviabilizaria a Usina Hidrelétrica de Corpus Christi, a ser localizada rio abaixo (e que nunca saiu do papel, diga-se de passagem).

A tese defendida pelo Brasil era a de que tudo dependia de acordos bilaterais entre as nações beneficiadas, como a própria Argentina demonstrara ao firmar o Tratado de Yaciretá-Apipé com Assunção, para construção de uma hidrelétrica de médio porte. As obras de Itaipu, inclusive, já estavam em curso e não seriam paradas para discutir uma questão que o Itamaraty considerava ultrapassada.

A chegada do embaixador Oscar Héctor Camilión a Brasília não colaborou para o processo de negociações. O diplomata tinha o hábito de usar a imprensa para dar recados ao governo brasileiro, o que irritava Azeredo da Silveira. As tensões só começaram a se reduzir depois de um encontro quase informal em Montevidéu entre o então ministro-chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), general de divisão João Batista de Figueiredo, e o secretário de Inteligência do Estado, general de divisão Carlos Alberto Martínez. Coube ao jornalista Carlos Conde, então credenciado pelo jornal Estado de São Paulo para cobrir o MRE, revelar a reunião.

O acordo tripartite sobre o uso da Bacia do Paraná só firmado em 1979, já na gestão do discreto chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro. Figueiredo fora promovido de chefe do SNI para a Presidência da República, o que facilitou as negociações.

Na gafieira

O Itamaraty continuou a política de aproximação com países da África. Em julho, estabeleceu um convênio com a Secretaria de Planejamento da Presidência da República a fim de prestar cooperação técnica ao continente negro. No mês seguinte, ao receber o chanceler do Togo, Silveira voltou a destacar a “importância primordial” da região. Em novembro de 1977 o presidente do Senegal, Leopold Senghor, visitou o Brasil.

Sobre a política externa com a Ásia durante o ano de 1977, destaca-se o acordo assinado com a China, em Pequim, pelo qual ficaram oficializados os canais que iriam regularizar as operações de comércio entre os dois países.

As relações do Brasil com a América Latina em 1978 foram bem-sucedidas: em 25 de janeiro Geisel visitou o Uruguai, firmando na ocasião um documento sobre a exploração conjunta da Lagoa Mirim e, em julho, foi estabelecido em Brasília o Pacto Amazônico, oficialmente denominado Tratado de Cooperação Amazônica.
Em entrevista publicada pelo Jornal do Brasil de 24 de dezembro de 1978, Silveira defendeu a universalização do não-alinhamento automático, seguido pelo Itamaraty, citando o estabelecimento de relações diplomáticas com o Vietnã “como um passo a ser dado num futuro próximo.” Nesta entrevista expressou ainda a confiança de que o general Figueiredo, já eleito presidente, daria continuidade à política externa de Geisel.

Conclusão

A política externa traçada por Geisel foi seguida à risca por seus sucessores. Graças a ela, o Brasil ganhou espaço e passou a exportar seu soft power. Passamos a fornecer serviços e produtos industrializados em todos os continentes graças aos mecanismos de financiamento criados pelo BNDS, depois renomeado como BNDES. Este sistema permite que empresas nacionais adquiram materiais e equipamentos no Brasil para realizar trabalhos no exterior. Desta forma, gera-se emprego no mercado interno.

O fim do regime militar não significou o abandono das propostas que levavam ao favorecimento das relações sul-sul. Em 1991, o presidente José Sarney firmou o Tratado de Assunção, com os presidentes Raúl Alfonsín, da Argentina; Andrés Rodríguez, do Paraguai, e Luis Alberto Lacalle, do Uruguai.

Antes de Bolsonaro, Fernando Collor de Mello esboçou uma reação, malsucedida, diga-se de passagem, à proposta desenhada por Silveira e Geisel e tentou se aproximar da Europa e dos Estados Unidos. Abriu o mercado para bens estrangeiros, sem qualquer reciprocidade, com resultados desastrosos. Ao assumir a Presidência da República, Fernando Henrique Cardoso acentuou a aposta na gafieira e chegou a assinar um acordo para exploração de gás na Bolívia. Também ajudou a tirar o Tratado de Cooperação Amazônica e o Mercosul do papel. Também enfrentou a tentativa dos Estados Unidos de formar a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), uma proposta mal disfarçada para criar uma zona de exploração econômica monopolística que fazia poucas concessões aos países latinos.

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva, com Celso Amorim no Itamaraty, deu prosseguimento ao trabalho de Azeredo da Silveira e conseguiu dar ao Brasil uma presença global. A cooperação sul-sul ganhou novos contornos com a criação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e o aprofundamento do BRICS, bloco informal que soma o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul. O Mercosul se ampliou com a entrada da Venezuela (hoje suspensa) em 2012.

A reviravolta prometida por Bolsonaro inclui o fim do reconhecimento dos direitos do povo e do Estado palestinos; a transferência da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém e o alinhamento automático com Washington. O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, também promete colocar o Mercosul, hoje o segundo maior destino das exportações brasileiras, na geladeira para se aproximar dos Estados Unidos e da União Europeia. Ele ignora o fato de que ambos veem o Brasil como concorrente e se negam a fazer concessões nas áreas onde somos mais competitivos, como na agroindústria. Em suma, voltaremos a ser porteiros do country clube e sem garantia de que receberemos um salário digno pelo posto honroso, mas subalterno.

* Pedro Paulo Rezende é jornalista especializado em assuntos militares.

Bibliografia:

MOURA CHAMMA, MARIA REGINA, E SEABRA HIRST, MÔNICA ELEN. Entrevista para o CPDOC da Fundação Getúlio Vargas
SPEKTOR, MATIAS. O Brasil e a Argentina entre a cordialidade oficial e o projeto de integração: a política externa do governo de Ernesto Geisel (1974-1979)
CONDE, CARLOS. Depoimento colhido por telefone

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3 respostas para “Por que, com Bolsonaro, a ideologia volta ao Itamaraty”

  1. Neto reis disse:

    O Pedro Paulo esqueceu de falar no Chile, que está em pleno desenvolvimento e não precisou do Mercosul, unasul, brics etc . O Brasil precisa voltar para os mercados europeus e americano, além da China, sem o viés ideológico.

    • Utente contente disse:

      ”Pleno desenvolvimento”. Sim, um país que tem um único produto que preste na balança de exportação – Cobre – e que não tem nem indústria sofisticada (importa 100% dos automóveis que utiliza) é um grande exemplo de país em ”pleno desenvolvimento”.
      Os bolsominions deveriam sair mais da frente do PC e dar uma voltinha pra ver a realidade latente…

  2. Fábio disse:

    Esse é daqueles jornalistas que tratam seu público como estúpido.
    Segundo o texto, no governo petista não houve uma guinada ideológica, que somente ocorreria agora. Mais: o PT teria seguido a mesma linha dos últimos quarenta anos.
    A premissa argumentativa é tão absurda diante de uma avalanche de fatos que nem merece ser levada a sério e debatida. É um texto humorístico.
    A esquerda não cansa de distorcer a história para que ela caiba nos estreitos limites de sua narrativa ideológica.

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