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O presidente Jair Bolsonaro fala à imprensa no Palácio da Alvorada [fotografo] Marcello Casal Jr./ Agência Brasil [/fotografo]

Bolsonaro cresceu. A culpa é dos mais pobres?

17.08.2020 10:38 0
Atualizado em 10.10.2021 17:33

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Vinicius Wu*

Pesquisas de opinião produzidas por diferentes institutos vêm convergindo ao indicar uma recuperação da popularidade do governo de Jair Bolsonaro, após um período de baixa registrado nos meses iniciais da pandemia da covid-19. As interpretações sobre o fenômeno, no entanto, variam e algumas análises mais apressadas da pesquisa Datafolha divulgada na última semana tenderam a identificar o auxílio-emergencial como único fator a determinar os atuais índices de aprovação do governo, resultando em uma percepção distorcida a respeito do papel dos mais pobres na sustentação política do atual governo.

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Mas a leitura atenta da própria pesquisa Datafolha revela um claro equilíbrio entre os percentuais de aprovação verificados junto aos estratos mais empobrecidos e aqueles registrados nos demais segmentos da população. Entre os que recebem de 2 a 5 salários mínimos, a soma dos que consideram o governo bom ou ótimo chega a 40%. É o mesmo percentual registrado entre os que recebem de 5 a 10 S.M e entre os que ganham mais de 10 S.M. O menor percentual encontra-se exatamente entre os mais pobres, que recebem até 2 salários mínimos: 35%.

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Se compararmos estes números com os do mesmo instituto divulgados no final de junho, veremos que, de fato, Bolsonaro avançou sobre todas as classes sociais com um significativo – e bastante regular – incremento do percentual da população que considera seu governo bom ou ótimo. Entre os que recebem mais de 10 S.M., a oscilação foi de 6 pontos percentuais favoráveis ao governo. Entre os que recebem entre 5 e 10 S.M, 7%. De 2 a 5 S.M., foram 5 pontos e, entre os que recebem até 2 S.M, a diferença foi de 6%. Ou seja, o próprio Datafolha parece não autorizar conclusões que atribuam exclusivamente aos mais pobres a melhoria da aprovação do governo.

Outras pesquisas oferecem dados bastante úteis para uma melhor compreensão a respeito da visão da população sobre desempenho do governo. É o caso da rodada de julho da pesquisa XP/Ipespe. Este levantamento já havia indicado a tendência de alta na avaliação positiva do presidente da República. E neste caso, a maior oscilação havia ocorrido entre a parcela da população que recebe entre 2 e 5 salários mínimos. Nesta faixa do eleitorado, o percentual dos que avaliavam o governo como ruim ou péssimo baixou para 46%. Eram 52% em junho. Na mesma faixa de renda, saltou de 29 para 32% o percentual dos que julgavam o governo bom ou ótimo. E nas demais faixas de renda os resultados foram semelhantes não havendo nenhuma discrepância em relação ao eleitorado mais pobre.

Um dado que talvez ajude a compreender melhor o que vem ocorrendo nos últimos meses diz respeito à confiança em relação aos rumos da economia. Segundo a XP/Ipespe, houve um aumento bastante sensível do percentual da população que acredita que a economia está no caminho certo chegando a 33% em julho. Também aumentou o percentual dos que acreditam na manutenção de seus empregos, alcançando 46% no mês passado, número bem distante dos 39% registrados em maio. Outra queda sensível se deu entre os que temiam que suas dívidas aumentassem nos próximos meses: eram 45% em abril e em julho, 32%. Ou seja, a mudança na percepção geral sobre o futuro da economia parece ser um dado relevante demais para não ser considerado nas análises sobre a aprovação do atual governo, sendo inclusive um fator com mais universalidade do que o auxílio-emergencial.

Outro dado importantíssimo revelado pela pesquisa XP/Ipespe diz respeito ao número de pessoas que acreditam que o pior momento da pandemia já passou: oscilação de 22 para 39% entre maio e julho. E no sentido oposto, os que acreditavam que o pior ainda estava por vir diminuíram significativamente, indo de 68% para 53%. A disputa em torno da agenda pública parece ser outro elemento relevante demais para ser ignorado em análises a respeito da aprovação do governo. Em certa medida, Bolsonaro conseguiu retirar a pandemia do centro do debate público nacional – e isto a despeito da atenção dada pelos principais veículos de mídia do país. O aparato de comunicação construído pelo bolsonarismo, mesmo debilitado em virtude da CPI das Fake News e da ação do STF, ainda assegura ao presidente uma capacidade superior de disputa de narrativas se comparado às principais lideranças da oposição, que não conseguiram avançar sobre o terreno aberto pela fragilização da imagem do presidente da República nos meses iniciais da pandemia. E neste ponto, uma outra pesquisa, a da Revista Fórum, divulgada na segunda quinzena de julho, traz alguns elementos importantes tais como o aumento na intenção de votos em Bolsonaro entre junho e julho (de 34,7% para 37,6%). No mesmo período, tanto Fernando Haddad quanto Ciro Gomes tiveram seus índices reduzidos.

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O auxílio-emergencial, portanto, explica apenas parcialmente o aumento da aprovação de Bolsonaro. Ele certamente tem cumprido papel significativo na melhoria da aprovação do governo em determinadas regiões e entre o eleitorado mais pobre. Não há nenhuma tentativa aqui de questionar sua relevância. Porém, reduzir todo o complexo processo político brasileiro a apenas um único vetor de explicação corre o risco de se revelar inconsistente ou até mesmo reforçar certos preconceitos que, volta e meia, povoam as análises políticas no país, responsabilizando os mais pobres por escolhas feitas pelo conjunto da população brasileira.

*é pesquisador da PUC-Rio.No twitter: @vinicius_wu

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