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Apesar da perplexidade com a crise, comando do Exército barra planos de intervenção militar

[fotografo]Reprodução[/fotografo]

Liderados pelo comandante do Exército, oficiais das Forças Armadas evocam o preço que a instituição ainda paga perante a sociedade pelos 21 anos de ditadura

 

Pedro Paulo Rezende

Não se discute mais futebol nas unidades militares brasileiras. O tema do momento é a crise institucional – as denúncias contra políticos, o comportamento dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e a corrupção entranhada nos três poderes da República. Há perplexidade e indignação entre oficiais, subalternos e soldados. Apesar disso e do clamor de setores reacionários mais radicais, é remota a possibilidade de uma intervenção fardada no país.

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É o que mostra a nova edição da Revista Congresso em Foco, que ouviu, durante três semanas, oficiais generais das três forças armadas e analistas de temas relacionados a questões de defesa. Todos afirmaram que o comandante do Exército, general de Exército Eduardo Villas Bôas, tem total controle da situação, o que inviabilizaria o risco de um golpe. Ele estabeleceu como missão garantir a transição para o governo que será eleito na disputa presidencial de 2018 e sua liderança se expande para a Marinha e a Aeronáutica.

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O general de brigada Paulo Chagas reconhece esse esforço. Uma das lideranças da reserva, mantém 5 mil amigos seu perfil no Facebook, com 1.300 na lista de espera, e 11 mil seguidores. Ele tem uma pergunta na ponta da língua quando alguém se aproxima pedindo intervenção militar: “Vocês confiam nas Forças Armadas?”. Quando a resposta é positiva, ele ressalta que a inteligência do Exército monitora em tempo real a situação em todo o território nacional e que não é hora para aventuras.

O Alto Comando do Exército agrupa 16 generais de Exército, o posto mais elevado da carreira. Segundo oficiais da ativa, o general Villas Bôas instituiu uma rotina semanal: compartilhar e analisar os dados obtidos pela inteligência da força com a cúpula do Exército em Brasília e, por meio de teleconferência, com os comandantes de área. Nessas reuniões forjou-se o consenso de que uma ação só se justificaria em um quadro de completa falência das instituições nacionais.

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Essa posição veio a público em 15 de setembro, em uma conferência do então secretário de Economia e Finanças, general de Exército Antonio Hamilton Martins Mourão, na Loja Maçônica Grande Oriente de Brasília.

“Não existe nenhum mecanismo constitucional que permita uma intervenção militar sem que seja provocada por um dos três poderes da República. Só seria viável em um quadro de total anomia”, reconhece uma fonte que participa desses encontros. “Além disso, há um consenso de que pagamos um preço institucional alto demais pelos 21 anos do regime de 1964 e esse fator ainda pesa quando se discute o papel dos militares na vida do país”, observa.

Segundo o oficial, essa posição reflete o pensamento de Villas Bôas e foi decisiva quando se optou inicialmente por não punir o general Mourão, que passa para a reserva em março do próximo ano e já é visto, por setores mais radicais, como uma alternativa mais palatável para a candidatura do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) à Presidência da República.

Nelson During, editor do Defesanet, o mais prestigioso site sobre temas de defesa do país, não acredita nessa hipótese. “O objetivo do general Mourão é a presidência do Clube Militar”, diz. Ele acabou afastado de suas funções, em dezembro, após fazer críticas públicas ao presidente Michel Temer.

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O poderoso Clube Militar

Mourão sabe o poder da instituição no imaginário das Forças Armadas. Como centro difusor do pensamento positivista, do velho lema “ordem e progresso”, o Clube Militar foi decisivo em diversos momentos da política brasileira. A Proclamação da República nasceu na assembleia geral de 9 de novembro de 1889, presidida pelo tenente-coronel Benjamin Constant. No mesmo dia, o Império recepcionava os oficiais da Marinha do Chile no Baile da Ilha Fiscal, última festa da monarquia.

Durante o século 20, o Clube Militar apoiou a Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder, endossou a criação e o fim do Estado Novo e serviu como caldo de cultura para o movimento que, em 31 de março de 1964, derrubou o presidente João Goulart. Sua sede, na carioquíssima Avenida Rio Branco, serve de palco para manifestações que glorificam o regime militar e repudiam acusações de tortura e execução dirigidas contra os integrantes das unidades que participaram da repressão aos movimentos guerrilheiros nos anos de chumbo.

Integrantes do clube também são influentes nas redes sociais, pelas quais disseminam ideias que alcançam um público de todas as idades. A importância da entidade serve como caixa de ressonância para a enorme comunidade de militares da reserva que se entrincheira no Rio de Janeiro. É de lá que partem os clamores a favor de uma intervenção, registrados em frequentes artigos do atual presidente do clube, o General de Divisão Gilberto Rodrigues Pimentel, que coloca o poder civil como uma concessão do poder armado quando se manifesta em público ou por escrito.

O que pensa a cúpula

O Clube Militar seria um ambiente perfeito para que Mourão influenciasse as Forças Armadas nos anos vindouros em todos os aspectos, dos operacionais aos políticos, mas há alguns fatores que contribuem para uma candidatura do general ao Planalto: Jair Bolsonaro é visto por parte da oficialidade, da ativa e da reserva, como um homem imprevisível e incapaz de dialogar. “O ideal para nós é que seguisse o modelo do ex-presidente Lula e servisse de fachada para um grupo de técnicos extremamente qualificados, mas ele peca por excesso de vaidade e de pretensão. Acha que sabe tudo e dessa forma fica difícil conversar”, diz à reportagem um militar.

Mourão, considerado por seus colegas um intelectual extremamente bem preparado, com grande conhecimento dos problemas nacionais, serviria como elemento surpresa caso os índices de rejeição ao parlamentar continuem em crescimento e inviabilizem sua candidatura à Presidência.

Humberto Lourenção é professor de Ciência Política do Programa de Mestrado em Ciências Aeroespaciais da Universidade da Força Aérea (Unifa). Psicólogo e filósofo, entre outros títulos, tem pós-doutorado em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado Maior do Exército (Eceme). “O oficialato brasileiro é conservador, apoia a privatização e acha que a corrupção do Estado brasileiro não tem solução”, afirmou.

A cúpula militar defende o novo modelo de exploração do pré-sal, sem a presença obrigatória da Petrobras, e coloca no mesmo patamar os pedalinhos de Lula e as malas de dinheiro do ex-ministro Geddel Vieira Lima. Tem um pensamento diverso do nacionalismo que criou as estatais e estabeleceu o modelo desenvolvimentista brasileiro nas décadas de 1950 e de 1960.

Apesar desse perfil, segundo ele, é quase unânime a rejeição dos oficiais da ativa a uma ação mais decisiva dos militares na política nacional. “Há um grande respeito à hierarquia e à liderança dos comandantes”, destaca Lourenção, que também atribui ao fantasma de 1964 o desejo de um distanciamento da política. Ou seja, a visão intervencionista dos oficiais da reserva não encontra eco entre os militares da ativa.

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