Publicidade

Temas

Palavras-Chave

Colunistas

Publicidade

Direitos humanos

Bolsonaristas fazem ofensiva para restringir ainda mais o aborto no Brasil

Compartilhe

Deputada e policial militar de São Paulo, Kátia Sastre é a presidente da Comissão dos Direitos da Mulher e responsável por pautar a votação do projeto. Foto: Michel de Jesus/Ag. Câmara

A pauta da Comissão dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados conta com um único item para a sessão desta quarta-feira (7): o projeto de lei de relatoria do deputado Emanuel Pinheiro Neto (MDB-MT) que cria o chamado Estatuto do Nascituro, que tramita na Câmara desde 2007. A votação da proposta faz parte do esforço de parlamentares bolsonaristas para para dificultar e endurecer a punição à prática do aborto no Brasil.

Sua última versão trabalha em dois eixos: um altera a legislação civil para reconhecer o nascituro como pessoa. Outro, sob a premissa de garantia dos direitos dessa pessoa, criminaliza as três formas de aborto permitidos hoje no Brasil, transforma o aborto em crime hediondo e cria novos tipos penais como o aborto culposo, apologia ao aborto e a proibição de “informações ou imagens depreciativas ou injuriosas à pessoa do nascituro”.

Hoje a interrupção da gravidez é autorizada em três  hipóteses: estupro, risco de morte da gestante e anencefalia. O texto em votação proíbe a autorização do aborto no caso de anencefalia. As outras duas não chegam a ser proibidas, pois estão previstas no Código Penal de 1940, mas passam também a enfrentar maiores restrições, com a insegurança jurídica causada pela norma.

Em seu relatório, Emanuel Pinheiro defende o projeto afirmando que “o termo ‘nascituro’ designa o ser humano já existente, porém ainda não nascido, havendo desde a concepção a formação de um DNA humano, com patrimônio genético individualizado e definido. Assim, não pode o ordenamento jurídico negar-lhe proteção e personalidade”.

Publicidade

Titular da comissão, a vice-líder do Psol Fernanda Melchionna (RS) considera o projeto como “parte dos retrocessos que a extrema direita tentou aprovar ao longo dos últimos anos no Brasil e no Parlamento, e que não conseguiu graças à luta das mulheres”. Ela chama atenção para o fato de que, pelo texto, a vítima de um estupro fica “obrigada a levar adiante o fruto dessa violência”, além da mulher perder o direito de preservar sua própria vida quando esta estiver em risco pela gravidez.

O relator afirma não negar o sofrimento provocado pela gravidez decorrente de estupro, mas que “eventual sofrimento, sempre de duração temporária, não pode ser sopesado com a extinção de uma vida”, e que “o aborto, não é um ato que deve ser protegido pelo ordenamento jurídico nem abarcado pela autonomia da vontade e pela liberdade individual”, não cabendo “realizar ponderação”.

Risco de aprovação

A reunião desta quarta-feira é a segunda tentativa da presidente da comissão, deputada Policial Katia Sastre (PL-SP), de votar o projeto. Na reunião anterior, porém, o debate se prolongou até o início da ordem do dia, momento em que as comissões são encerradas. Desta vez, a reunião será pela manhã, decisão que Melchionna avalia como uma tentativa de evitar que a situação se repita.

A deputada teme que o projeto acabe aprovado. “A comissão já foi tomada por uma maioria de deputados de extrema direita, homens, que inclusive na última sessão tentaram interromper a fala das mulheres. A Comissão dos Direitos da Mulher já está emparelhada. Ao invés de se debruçar em projetos importantes para as mulheres brasileiras, serve de palco para esse tipo de teatro”, declarou.

Publicidade
Publicidade

O caminho explorado por sua bancada para tentar impedir o avanço do projeto é o chamado “kit obstrução”: uma série de requerimentos de adiamento e retirada de pauta, votados antes da discussão do item em si. Caso venha a ser aprovado, porém, o projeto não vai direto a plenário: deverá ainda passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde terá que competir espaço com outros projetos de maior interesse do colegiado.

Em nota, a campanha “Nem Presa Nem Morta” afirma que a proposta é inconstitucional, dificulta ainda mais o acesso a informações de saúde, cria mais
barreiras de acesso ao aborto legal e acaba com a possibilidade de aborto em casos de anencefalia. Veja a íntegra da nota:

“Está novamente na pauta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, da Câmara Federal, o Projeto de Lei nº 478, de 2007, que cria o Estatuto do Nascituro. A votação do parecer do Deputado Emanuel Pinheiro Neto (MDB-MT), relator da matéria nesta Comissão, acontecerá na próxima quarta-feira, dia 7 de dezembro.

Na última quarta-feira, dia 30/11, ela estava na agenda da Comissão para votação, mas esta foi adiada.

O Estatuto do Nascituro foi apresentado, como proposta legislativa, em 2007. De lá pra cá sofreu alterações, e da forma como se encontra hoje, acolhe o princípio da vida desde a concepção, a instituição da “bolsa estupro” e alteração do Código Penal aumentando a pena por prática ou facilitação do aborto.

A defesa de que a vida começa na concepção e a equiparação dos direitos de fetos/embriões aos direitos de pessoas nascidas, contidas no projeto, não foram acolhidas pela Assembleia Constituinte de 1988.

Apesar do crescimento da violência contra as mulheres no Brasil, o texto do projeto aumenta as barreiras de acesso ao aborto legal, pois cria confusão jurídica sobre quando o aborto pode ser realizado, apesar de não proibir expressamente o aborto em caso de estupro ou risco de vida à gestante, cuja autorização está
expressa desde o Código Penal de 1940. Isso porque o projeto fala, por exemplo, que é proibido, “sob qualquer pretexto, motivo ou razão, inclusive ato delituoso praticado por algum de seus genitores, aplicar qualquer pena ou causar qualquer dano ao nascituro”, além de atribuir ao embrião ou ao feto, “plena
proteção jurídica”, “com absoluta prioridade”, contribuindo para reforçar a ideia de que qualquer ação ou procedimento voltado à interrupção da gestação poderá ser punida “na forma da lei”, por representar “atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.

Além disso o projeto que irá a votação na Comissão da Mulher, ainda acaba com a permissão do aborto em caso de anencefalia, um direito conquistado por decisão do STF há mais de 10 anos, via ADPF 54, impondo sofrimento a mulheres, meninas e pessoas que gestam, ao obrigá-las a manter uma gestação sabendo que não existe possibilidade de vida para este feto, ao nascer.

Por fim, o projeto propõe alterações no Código Penal, qualificando o crime de aborto como hediondo e modificando os artigos 124, 125 e 126 desse Código, para majorar as penas, respectivamente, para reclusão de 1 a 3 anos; reclusão de 6 a 15 anos e reclusão de 4 a 10 anos. O parecer do relator recomenda, também,
que seja apensado (entre outros) o projeto de lei 883, de 2022, da deputada Carla Zambelli, que cria o crime de incitação ao aborto. Assim, o projeto também cria insegurança e amplia o risco de criminalização e perseguição contra quem divulga informações básicas de saúde e defende os direitos humanos.

Campanha Nem Presa Nem Morta”

Repórter. Jornalista formado pelo UniCeub, foi repórter da edição impressa do Jornal de Brasília, onde atuou na editoria de Cidades.

Notícias mais lidas

Mais notícias sobre esse tema