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Por que o CNMP acertou no caso Dallagnol

Ex-Procurador da República - Ministério Público Federal (MPF), Deltan Dallgnol, em fala na Câmara dos Deputados em 2017. Foto: Luis Macedo / Câmara dos Deputados
Ex-Procurador da República - Ministério Público Federal (MPF), Deltan Dallgnol, em fala na Câmara dos Deputados em 2017. Foto: Luis Macedo / Câmara dos Deputados

Lenio Luiz Streck, Marco Aurélio de Carvalho, Gabriela Araújo e Fabiano Silva dos Santos*

O Conselho Nacional do Ministério Público decidiu, no dia 08.9.2020, por ampla maioria, acompanhar o voto do Conselheiro Otavio Luiz Rodrigues Jr, condenando o Procurador Deltan Dallagnol à pena de censura.

A pena foi de censura porque o Procurador, nas eleições para o senado, postou uma sucessão de mensagens (no twitter) fazendo campanha contra o senador Renan Calheiros à presidência do senado. Disse, Deltan, que o voto para aquelas eleições deveria ser aberto, ligando o voto fechado à leniência e corrupção.

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Uma das inúmeras mensagens dizia que, se Renan fosse eleito, nenhum projeto contra corrupção passaria, já que, segundo o procurador, Renan respondia a vários processos por corrupção e lavagem de dinheiro.

Também disse Deltan que alguns senadores votariam em Renan escondidos, uma vez que não teriam coragem de o fazer à luz do dia.

A censura foi a pena máxima nas circunstâncias postas, em face de uma decisão do Ministro Luís Fux, emanada recentemente.

Por que foi correta a decisão? Porque o sistema jurídico deve ser um todo coerente e íntegro (artigo 926 do CPC).

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Tivesse Dallagnol sido absolvido e estaria formado um perigoso precedente, pelo qual qualquer membro do Ministério Público poderia fazer algo igual sem qualquer tipo de consequência. Ser membro do MP tem bônus… e ônus.

Disse o conselheiro Rodrigues Jr: “Reduzir este caso a um debate sobre liberdade de expressão é ignorar o imenso risco à democracia quando se abrem as portas para agentes não eleitos, vitalícios e inamovíveis, disputarem espaços, narrativas e, em última análise, o poder, com agentes eleitos, dependentes do sufrágio popular periódico”.

“Nada impede que os primeiros deixem o conforto de seus cargos públicos, renunciem à magistratura judiciária ou ministerial, e entrem na arena partidária, disputando votos e espaço na mídia sem a proteção reputacional que a toga e a beca quase sempre emprestam aos que as vestem”, afirmou ainda o conselheiro-relator.

Mais: o membro do MP não pode ter o melhor dos dois mundos.

Pois bem. A questão, assim, é saber se um agente do Ministério Público pode fazer manifestações de caráter político do modo como fez DD, tomando lado – e influenciando – em disputas eleitorais ou institucionais que tenham claro fumus partidário, como o caso da disputa da presidência do senado.

Esse é o ponto central, gostemos ou não dos protagonistas.Em decisão anterior, envolvendo um promotor de justiça – decisão confirmada pelo STF em voto do relator ministro Fux – ficou assentado que um membro do MP não pode fazer “apologia” (a palavra é nossa) contra os objetivos constitucionais-institucionais da Instituição, questão que exsurgiu também no julgamento de Dallagnol.

Se o MP é o guardião dos interesses difusos e coletivos e o defensor da constitucionalidade, não pode fazer discursos anti-intitucionais. Foi também o caso de DD.

Um membro do MP, vitalício e com responsabilidade política (no sentido de que fala Dworkin), não pode, mesmo que seja a sua opinião pessoal, buscar detratar um candidato ao senado ou a qualquer cargo, utilizando-se exatamente de seu cargo e de seu “lugar da fala”. Sim, o seu lugar da fala: esse é outro ponto fulcral.

De novo, como disse o Conselheiro-relator: não se trata de censurar uma opinião. Não se trata de discutir liberdade de pensamento. Trata-se do uso do lugar da fala. E isso faz a diferença.

Lembremos que o ex-procurador Carlos Lima, que foi chefe da Força Tarefa da Lava Jato, disse, ao vivo na TV, que a FT tomou lado na disputado presidencial. E esse “tomar lado” influenciou o trabalho da Força tarefa. Ora, o MP tem as mesmas garantias da magistratura. Portanto, deve ser isento. Não pode tomar lado. Mesmo que seja, como sustentou Carlos Lima, entre o “diabo e o coisa ruim”.

Aliás, o voto do Conselheiro Otávio Luiz Rodrigues Jr deixa claro a diferença entre liberdade de expressão e transgressão disciplinar (quando o agente quebra as regras do jogo do lugar em que está, tornando o jogo desigual). Afinal, falar de um lugar com garantais – e invocá-las – é bem diferente de falar de um lugar sem qualquer garantia. Portanto, outro ponto-chave: isenção.

O membro do MP falou de um lugar institucional. Não há como separar a instituição do “falante”.

Por isso, o CNMP acertou. Não fosse assim e estaria aberto um precedente perigoso, insistimos, que permitiria aos membros do MP interferirem em eleições das mais variadas. Isso para falar o menos.
MP, aliás, que é o fiscal da lei e da lisura de todos os pleitos. O MP é conquista da Constituição de 1988. Conquista essa que não deve ser conspurcada, mormente por membros que nem se dão conta ou não dão valor à luta que foi alçar a instituição ao patamar em que está na Constituição do Brasil.

O MP brasileiro é modelo único no mundo. Devemos, pois, preservá-lo. Eis mais um dos nossos grandes desafios. Um desafio e um compromisso.

*Advogados integrantes do Grupo Prerrogativas

O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].

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