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Grupos cristãos defendem descriminalização do aborto

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[fotografo]Marcello Casal Jr./ABr[/fotografo]
Juíza tentou convencer criança de 11 anos a ter bebê gerado em estupro. Foto: Marcello Casal Jr./ABr

Na última semana, o país acompanhou o caso da menina de 10 anos que engravidou após ser vítima de abuso sexual, sofrido dentro núcleo familiar. O caso ganhou repercussão após a divulgação dos dados da criança e do hospital onde o aborto legal seria realizado e grupos fundamentalistas religiosos fizeram protestos para tentar impedir o procedimento.

Apesar da ofensiva e do discurso pró-vida deste grupo, outras frentes cristãs divergem da posição contrária a legalização do aborto. O Grupo Católicas pelo Direito de Decidir (CDD) e a Frente Evangélica pela Legalização do Aborto (Fepla) defendem o Estado laico, a legalização do aborto, educação sexual nas escolas e os direitos das mulheres.

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Segundo estas organizações, a criminalização do aborto não reduz o número de procedimentos realizados no país e contribui para o aumento da taxa de mortalidade das mulheres que realizam procedimentos clandestinos. Elas apontam que a maioria das mulheres que recorrem ao aborto clandestino no país são cristãs.

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Para a Fepla, isso ocorre porque são “justamente as mulheres com menos acesso a informações e a qualquer debate que esteja no âmbito de saúde pública e não de repressão, seja divina ou policial”, diz a entidade.

Ainda de acordo com o grupo de evangélicas, o aborto precisa ser debatido dentro da perspectiva da saúde e não de cadeia. “Nesse sentido, é evidente que reforçar uma lei injusta, que além de encarcerar, mata mulheres e não reduz o número de abortos, significa ir na contramão de Jesus e seus ensinamentos. Essas igrejas fundamentalistas têm escolhido ‘cumprir a lei’ e apedrejar ao invés de questionar a lei e impedir os apedrejamentos como Cristo fez”.

Para Tabata Tesser, socióloga integrante do grupo Católicas pelo Direito de Decidir (CDD), presente no Brasil há mais de 25 anos e em pelo menos 13 países da América Latina, criminalizar o aborto constrói uma narrativa baseada no medo que defende uma vida “abstrata” e que neste caso, o papel da igreja deve ser o de acolhimento dessas mulheres.

“A igreja não deve interferir nas políticas públicas. Nós acreditamos que o papel da igreja é de acolhimento dessas mulheres que querem interromper a gestação ao invés de criminalizá-las, essa é a nossa crença. Por isso, defendemos o estado laico. Como católicas, nós afirmamos que o aborto não é um pecado e nem uma ofensa moral, para nós se trata de um tema de saúde pública e de cumprimento do direito das mulheres”, afirma Tabata Tesser.

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Saúde pública

Para o grupo Fepla,  a descriminalização do aborto é um assunto que deve permear toda a sociedade. As religiões, dizem, podem e devem ter como uma das suas pautas de discussão a descriminalização e/ou legalização do aborto. Porém, entendem, é importante compreender que “debater dentro das nossas comunidades bem como ter o nosso próprio código de conduta diante desse assunto, não pode de maneira nenhuma significar uma imposição para todo o restante da sociedade por meio de leis e políticas públicas. Nós acreditamos que o Estado deva ser laico e as decisões políticas sejam tomadas respeitando a pluralidade de crenças e da não crença”.

Para a entidade, o argumento a favor da descriminalização do aborto é o mesmo utilizado pelos grupos contrários ao método, ou seja, a defesa da vida.

“Se a vida pra nós é sagrada, não podemos sustentar uma lei injusta que culmina com o aumento do número de abortamentos e o alto grau de mortalidade de mulheres. Não existe nenhuma vida sendo defendida quando se reforça uma lei como a que temos hoje”, explica a Fepla.

No Brasil, a maioria das vítimas de violência sexual são meninas de até 13 anos de idade e a maior parte dos agressores são conhecidos da vítima. Segundo o Fórum de Segurança Pública, quatro meninas de até 13 anos de idade são estupradas por hora no Brasil e 73,9% dos seus agressores são conhecidos. Somente em 2018, mais de 49.497 mulheres foram estupradas no país.

Alternativa

A história recente da garota de 10 anos ilustra essa preocupante estatística de meninas violentadas no país. Tanto a Fepla, quanto a CDD acreditam que há uma cultura do estupro impregnada no Brasil e que para combatê-la é preciso investir em políticas de educação sexual e, assim, atingir as raízes do problema. Os grupos entendem que não é por meio da criação de projetos que endurecem penas, como as propostas feitas nas últimas semanas na Câmara dos Deputados, que o problema da violência sexual será resolvido.

“Sempre que um caso de grande repercussão no Brasil é colocado, existe um setor político ligado a interesses econômicos que está mais interessado no aumento de pena de estupradores. Falam de mais criminalização e menos conscientização. O Congresso está mais preocupado com um sintoma do que com a raiz do problema”, afirma Tabata. A pesquisadora aponta que desde o período colonial a cultura do estupro está presente no país e é com políticas educacionais que isso poderá ser revertido.

Para a Fepla, quando o país opta por não investir em educação sexual ele está corroborando com a cultura do estupro. “A começar pelas igrejas que dia e noite têm combatido educação sexual nas escolas e têm defendido que essa ‘educação‘ seja de responsabilidade da família, onde estão a maior parte dos abusadores. A sociedade tem falhado miseravelmente com as mulheres, crianças e adolescentes”, critica.

As evangélicas afirmam que existem diversos pensamentos dentro do cristianismo e os fundamentalistas religiosos se baseiam em igrejas extremistas. “Aqueles que foram para a porta do hospital com palavras de ódio e hostilização fazem parte da banda podre e extremista do cristianismo e nós os repudiamos com veemência. Essas pessoas envergonham o evangelho quando decidem em nome de uma defesa abstrata e celestial da vida, massacrar a vida concreta de garotinhas violentadas”.

Para o grupo CDD, no caso da menina que foi vítima de violências cíclicas, quando grupos fundamentalistas protestam contra o procedimento de aborto legal estão compactuando com este ciclo de violência. “Precisa ter compaixão para se olhar para isso. Quando se coloca para que essa gravidez continue, decide-se pelo lado de defender o estuprador e não a vítima”, explica.

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Jornalista formada pelo Centro Universitário de Brasília (Uniceub), trabalha no Congresso em Foco desde maio de 2019. Realizou estágio em comunicação no Programa Conjunto das Nações Unidas para HIV/AIDS (Unaids) e teve passagem pela Agência de Notícias Uniceub.

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