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Enquanto o presidente caçoava da falta de ar das vítimas, 4,5 mil profissionais de saúde morriam no combate à pandemia. Foto: Reprodução/Youtube

Observatório Evangélico

Bolsonaro e a normalização da barbárie

07.10.2022 09:40 0

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Manuela Löwenthal  *

O resultado do 1º turno das eleições de 2022 deixou parte da população com a seguinte dúvida: “Como depois de tudo, Bolsonaro ainda recebeu tantos votos?”. Mesmo deixando tão exposto o seu posicionamento antidemocrático, autoritário, ultraconservador e intolerante, quase metade dos brasileiros continua depositando o seu voto nele?

O primeiro ponto que pretendo abordar é o fato de que acusações sobre o Bolsonaro ser fascista, machista, racista, homofóbico, entre tantas outras coisas expostas em suas falas e comportamentos, não é algo considerado tão grave para uma parcela da população. E isso não acontece porque as pessoas se identificam com tais posicionamentos, mas porque tais práticas genocidas estão tão enraizadas na história do país, que muitas vezes o fascismo escancarado de Bolsonaro é visto como “normal”. Tal normalização da barbárie expõe o quão grave é a naturalização da violência, do racismo, da opressão em nosso país, a ponto de que falas e posturas como as de Bolsonaro não soam como problemáticas.

Vivemos em um país estruturado em cima da escravidão, do genocídio de povos negros e indígenas, da opressão de mulheres e da distribuição desigual de terras e riquezas. Tal configuração permanece até os dias atuais, é mantida como um projeto de poder e se enraiza cada vez mais, a ponto de que as pessoas já não consideram a violência como algo estranho, ela faz parte da vida das pessoas. A morte faz parte da vida das pessoas como algo banal, e é mantida pelos próprios governantes através de políticas de extermínio.

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Diante de tal estrutura social, as pessoas se acostumaram tanto com o absurdo que problematizar tais comportamentos é visto como radical, de esquerda, e até mesmo os direitos humanos são acusados de “esquerdopata”.

Aqueles que sentem na pele tais opressões buscam refúgios em outros espaços que não a política institucional, buscam acolhimento nas igrejas evangélicas, e mais especificamente nas igrejas pentecostais. A população marginalizada por tantos séculos passa a se desconectar daquilo que as exclui, formando sua própria rede de apoio, uma vez que a desilusão com as instituições políticas convencionais se faz presente em tantas dimensões e esferas. A igreja passa então a ser uma forma de política societária, onde ocorrem redes de apoio e acolhimento.

É nesse sentido que muitos brasileiros consideram mais importante o fato de Bolsonaro ser cristão do que qualquer outra coisa. Pois, para grande parte da população, a igreja é um espaço puro, e a política é um espaço corrompido. Tal visão negativa acerca da política se tornou quase que unânime no Brasil, e foi reforçada através da instauração de uma onda antipetismo subsidiada por grupos de direita no período pré-golpe da presidenta Dilma.

A pesquisa “Mulheres evangélicas, política e cotidiano”, do Instituo de Pesquisa de Estudos da Religião (Iser), que foi divulgada na última semana, revela que palavras como paz, acolhimento, recepção, preenchimento, completude, comunidade e união estão entre as principais resposta dadas por mulheres evangélicas quando o assunto era igreja. A pesquisa também apontou que a igreja é um elemento unificador de famílias, seja porque as famílias vão juntas à igreja, ou seja porque a igreja proporciona suporte espiritual para que as famílias superem problemas cotidianos.

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Nesse sentido, é possível compreender que a preocupação com a religião do candidato traduz na realidade uma preocupação com a sua postura diante da família. Ser cristão representa para muitas pessoas uma índole intrínseca. Em outras palavras, o que os evangélicos buscam é um candidato que enfrente junto com eles os problemas cotidianos, assim como faz a igreja.

Se a igreja é o espaço de acolhimento que muitas pessoas buscam, isso significa que a política institucional representa algo distante, que não está relacionada à vida real das pessoas e o seu dia a dia. É por este motivo que muitas pessoas não associam diretamente os preços dos alimentos, da gasolina, do gás, com a gestão do governo, pois a política institucional é vista como algo abstrato e quase irreal.

O que está em jogo, portanto, é o sentido da política. E qual é o sentido da política? Para Aristóteles, a política é inerente ao ser humano, já para outros filósofos como Hanna Arendt a política está nas relações entre as pessoas e é importante para a construção da liberdade. Porém, todos eles concordam que a política está em todos os espaços da sociedade, inclusive na religião.

O desafio do PT é, portanto, proporcionar através da política aquilo que a igreja oferece, não para competir com a fé das pessoas, mas para suprir urgências materiais e existências que estão diretamente relacionadas às políticas públicas e programas sociais. É necessário criar novas formas de sociabilidade e atuação política na sociedade para engajamento da população, e em especial nas periferias para além da igreja, organizando-se para responder tais demandas, disputando as narrativas que estão colocadas e captar tal parcela da população que está tão vulnerável a ponto de se entregar para discursos extremistas e fundamentalistas.

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Manuela Löwenthal é doutoranda em Ciências Sociais pela Unifesp, pesquisa temas vinculados à Religião e Política no Brasil. Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (2012), onde também obteve o título de mestre. É pesquisadora do projeto Temático “Religião, Direito e Secularismo: A reconfiguração do repertório cívico no Brasil contemporâneo”, financiado pela Fapesp.  Atua também como professora de Sociologia na rede estadual paulista. 

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