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Polarização nas discussões sobre o conflito Israel-Hamas resultaram em agressão a família afegã em São Paulo e ataques antissemitas nas redes. Foto: Pixabay

O Afeganistão nosso de cada dia e a possibilidade sueca

29.08.2021 08:34 0
Atualizado em 10.10.2021 16:53

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A nova ascensão do Talibã ao poder no Afeganistão tem angustiado e indignado a comunidade internacional diante da supressão de liberdades e de direitos. Dentre todos os fatores que mais indignam, está o direito das mulheres afegãs, dado o histórico do grupo extremista, a despeito das tentativas dos novos ocupantes do poder moderaram o discurso.

Afinal, quem não se lembra da menina paquistanesa Malala Yousafzai, laureada com o Nobel da Paz? Ela foi brutalmente violentada pelo grupo Talibã que ocupava o Vale do Swat, no Paquistão, por simplesmente defender o direito de meninas irem à escola.

Diferente do que muitos apensam, a vida das afegãs já foi diferente. Durante as décadas de 70 e 80, por exemplo, aconteceram reformas legislativas modernizadoras que incentivavam a educação e o trabalho feminino, além de novas leis do casamento e de saúde. As cenas de desesperadas tentativas de fuga que chocam o mundo só confirmam o medo em que agoniza a população que, infelizmente, já assiste às primeiras ações radicais de um regime extremista.

O nosso sentimento não é apenas de solidariedade ou de empatia com o sofrimento dos afegãos. Na realidade, o que vemos é também a expressão da face mais radical de um problema que acontece em vários lugares do mundo.

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Aqui mesmo, no Brasil, convivemos com profundas e enraizadas desigualdades de direitos de gêneros, apesar de contarmos com uma militância cada vez mais ativa e consciente, além de avanços legislativos. Um simples exemplo é de que a média salarial das mulheres brasileiras segue menor do que as dos homens nas mesmas atividades ocupacionais. E o mais grave: as cenas de violência doméstica, abusos psicológicos e de preconceitos de gênero dos mais variados tipos também persistem, acontecendo, infelizmente, com certa aceitação cultural.

E o pior ainda: essa realidade tem sido mais dura para as mulheres negras, da periferia, a maioria mantenedora única de suas famílias.  A face mais cruel desse cenário no Brasil é o feminicídio, o assassinato de mulheres cometido por razões de gênero. Com base em dados internacionais de 2015, a Organização Mundial de Saúde (OMS) revela que o Brasil ocupava a trágica quinta colocação mundial no ranking de taxa de homicídio de mulheres entre as nações de todo o mundo.

Um relatório mais recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (Anuário Brasileiro da Segurança Pública) registou 1.350 casos de feminicídio no Brasil em 2020, número ainda maior que o de 2019. Ocorre um caso de feminicídio a cada seis horas e meia no Brasil. Apesar de ser um dado nacional, merece destaque o alto crescimento de casos, especialmente em quatro unidades da federação: Mato Grosso (57%), Roraima (44,6%), Mato Grosso do Sul (41,7%) e Pará (38,95%).

Além disso, esse relatório revela que três a cada quatro vítimas de feminicídio eram jovens mulheres, com idades entre 19 e 44 anos. Aproximadamente 62% dessas mulheres eram negras. Mais da metade das vítimas foram mortas em casa. E o agravante, que merece toda a atenção: o agressor é quase sempre uma pessoa do círculo de relação pessoal da vítima. Cerca de 82% dos assassinos eram companheiros ou ex-companheiros das vítimas.

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O feminicídio é comumente o trágico epílogo de uma escalada diversa e progressiva de violências sofridas pelas mulheres. Para cada caso de feminicídio, há um número muito mais expressivo de outras naturezas de violências sofridas, muitas sem qualquer registro oficial. Ameaça, perseguição, tortura, abuso psicológico, exploração sexual e agressões físicas muitas vezes terminam no assassinato.

Assim, para muitas mulheres brasileiras a realidade atual do Afeganistão não está tão distante assim. Para além da indignação pública da sociedade civil organizada, é necessária uma afirmação política mais clara do Estado brasileiro em favor da superação dessa vergonhosa circunstância ainda presente na vida das comunidades brasileiras.

Não só legislações duras, penas e sanções cada vez mais rígidas são necessárias. É preciso modificar o contexto social, econômico e cultural das mulheres violentadas e de suas famílias. Também é imperativo que políticas públicas estimulem o acesso à educação das mulheres em todos os níveis e assegurem o direito a escola em tempo integral aos filhos, a capacitação para o trabalho, o acesso ao crédito para empreender, acesso igualitário às oportunidades de emprego e renda, o direito a espaços públicos e bens culturais adaptados às suas necessidades e interesses e, sobretudo, canais institucionais simples e acessíveis, que garantam efetiva segurança, proteção e apoio aos primeiros sinais de desrespeito aos direitos e liberdades das mulheres.

Essa é a lição de casa que o Afeganistão nos propõe. O Brasil tem capacidade de estabelecer a pauta das mulheres como orientação oficial de seus governos. Quem sabe, no futuro, sentiremos o mesmo orgulho dos suecos, que em um passo civilizatório exemplar, promove sua política externa focada nos direitos das mulheres?

O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].

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