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Parábola 29: a fome

24.10.2021 09:36 0
Atualizado em 27.12.2021 15:17

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– Estou muito preocupado com as coisas que estão acontecendo no Aiyê – externou Oxalá, para a sua amiga Jaci. – Exu me contou que a fome está se espalhando rapidamente de forma nunca vista.

–  Exu, com a aquela boca que come tudo, bem entende da sensação da fome incontrolável – respondeu, descontraída, Jaci. – O que ele contou para você, meu orixá?

– Ele me contou que as pessoas estavam fazendo filas nas lixeiras dos açougues, na esperança de encontrar algum osso que contenha algum resquício de carne – esclareceu Oxalá. – O Brasil que se gaba de ter os maiores rebanhos de bovinos do mundo, não consegue reservar um pequeno pedaço para o seu povo.

– É tudo para exploração e exportação – lamentou Jaci. – As caravelas que partem da nossa Pindorama sempre exportaram as nossas riquezas e nos deixam com as migalhas. Mudaram os séculos, as pessoas e até os meios de transporte, mas o povo segue excluídos das coisas criadas por Tupã.

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– Triste realidade, minha Oshupá – concordou Oxalá. – O país campeão em exportação de proteínas, não deixa nada para o consumo das pessoas que mais delas necessita.

– “Pois eu tive fome, e vocês não me deram de comer; tive sede, e vocês nada me deram para beber; fui estrangeiro, e vocês não me acolheram; necessitei de roupas, e vocês não me vestiram; estive enfermo e preso, e vocês não me visitaram” – recitou Emanuel, quebrando o silêncio em que se postara.

Ere-îkó-katu-pe? – espantou-se Jaci. – Não entendi nada.

–  A-îkó-katu – respondeu, Emanuel, também em tupi. – A conversa de vocês me fez lembrar em voz alta de uma conversar que tive com Mateus.

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– Ah, bom! – sorriu Jaci. – Eu pensava que você não estava bem.

– E como ficar bem diante da fome na “terra em que se plantando tudo dá”? – respondeu Emanuel. – Ainda mais quando a fome não é por falta de comida, mas porque as pessoas não nos dão o que comer ou beber.

– É mesmo um absurdo o que estão fazendo, não é? – interrogou Jaci. – Mesmo Sumé, com toda a sua sabedoria divina, um dia perdeu a paciência com nossas imperfeitas criaturas.

– Exu ficou impressionado com a mensagem negativa que recebeu nos terreiros. E não é só o desprezo dos que trocam o verde do campo pelo verde dos dólares – arrematou Oxalá. – Não é que os comerciantes que jogavam os ossos descartáveis no lixo, agora resolveram vendê-los, sem dó ou piedade?

– E não apenas os ossos. Eles estão vendendo a carcaça de galinha que também era lixo – complementou Jaci. – Colocam trancas nas carnes dos supermercados ou até expõem caixas vazias com o nome carne, em que esta somente poderia ser vista depois que paga.

– Não querem que o desespero da fome possa atrapalhar o lucro – constatou, revoltado, Oxalá. – Não estão satisfeitos com os manuais e os códigos secretos que orientam a violência e as prisões de meus irmãos e irmãs que se aproximam desses Templo de Consumo?

– É a criminalização da fome e da pobreza, meu amigo! – complementou Jaci. – O meu povo sofre dessa azaração desamorosa desde 1500.

– Não sabem eles que até mesmo “O ladrão não é desprezado, se, faminto, rouba para matar a fome”? – voltou a refletir Emanuel.

– Mesmo dizendo que “Deus está acima de tudo”, eles já não ligam para os provérbios de seu Pai, Emanuel – registrou Oxalá. – Xangô me contou que até prenderem uma mãe que subtraíra alguns alimentos para matar a fome de sua prole.

– Veja a dificuldade orçamentária alegada quando se trata de fixar um auxílio financeiro para quem tem fome – retomou Jaci. – Sobram recursos para os banqueiros, os rentistas, os especuladores, os que têm verbas aplicadas em paraísos fiscais, as emendas parlamentes e os capitalistas de sempre.

– Estou pensando em pedir autorização à Olorum para criar uma humanidade diferente da que criamos – refletiu Oxalá. – Já conhecemos os nossos erros. E podemos aperfeiçoar as virtudes.

Tupã t’-o-ikó nde irũnamo! – abençoou Jaci. – E você, Emanuel?

– Nem mesmo o Filho sabe dos quereres do Pai – respondeu Emanuel. – Mas Ele já disse em Efésios que “A nossa luta não é contra os seres humanos, mas contra os poderes e autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais”.

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