Publicidade

Lungaretti: ameaça e resquícios da ditadura na Lei de Segurança Nacional

06.09.2016 08:00 0

Reportagem
Publicidade

Celso Lungaretti *

O jornalista ultradireitista Reinaldo Azevedo defende o emprego de uma lei ditatorial contra os participantes de manifestações violentas contra o governo de Michel Temer.

E se trata de uma bem emblemática do antigo regime militar, a Lei de Segurança Nacional (LSN), embora não na versão mais draconiana (o decreto-lei nº 898, de 29/09/1969, que possibilitava a condenação à morte em vários casos, inclusive o de mera lesão corporal causada num chefe de governo que estivesse visitando o Brasil).

A LSN que ainda está em vigor tem o nº 7.170 e foi sancionada em 14 de dezembro de 1983, 16 meses antes do fim da ditadura. Incrivelmente, é um entulho autoritário que ninguém se lembrou de mandar para a lixeira da história e até andou sendo reutilizado em 2013, quando das manifestações contra o aumento das tarifas do transporte coletivo, no que pareceu serem apenas balões de ensaio para aferição das reações que provocaria. Aquela temporada de protestos passou e há três anos não se falava mais nisso.

Publicidade

Agora Reinaldo Azevedo relança a ideia, insistindo em chocar o ovo da serpente. Convém não o ignorarmos, pois temos tempos difíceis pela frente e é impossível prevermos se as ferramentas jurídicas do arbítrio voltarão a nos causar danos. Devemos, isto sim, repudiar firmemente qualquer tentativa de fazer os ponteiros da História girarem para trás. E até fazermos agora o que há muito deveria ter sido feito: a revisão de tal lei, cujo viés autoritário se evidencia até no nome.

Todos já sabíamos que nossa redemocratização ficara pela metade – os assassinos, torturadores e estupradores dos órgãos de segurança não foram sequer processados! – e a permanência da LSN tal como a ditadura a sancionou é mais um exemplo gritante da omissão de parlamentares e governantes das últimas três décadas.

Embora tenha havido um abrandamento geral das penas na versão 1983 da LSN, ela possibilitaria, por exemplo, o encarceramento por até 15 anos de algum burocrata do governo que entregasse ao WikiLeaks documentos sigilosos:

Artigo 13 – Comunicar, entregar ou permitir a comunicação ou a entrega, a governo ou grupo estrangeiro, ou a organização ou grupo de existência ilegal, de dados, documentos ou cópias de documentos, planos, códigos, cifras ou assuntos que, no interesse do Estado brasileiro, são classificados como sigilosos. Pena: reclusão, de 3 a 15 anos.

Publicidade
Publicidade

Se o desejo do Reinaldo Azevedo virar realidade, os manifestantes contra Temer certamente amargarão este enquadramento (*):

Artigo 20 – Devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas. Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.

É isso que o Reinaldo Azevedo quer ver de volta: uma lei que bota no mesmo saco atos graves de violência e uma mísera pedra atirada na vidraça de um banco (“depredação”), sujeitando o autor, no último caso, a mofar no mínimo três anos na prisão!

Freud não precisa explicar, Victor Hugo já o fez, em Os miseráveis (livro em que o personagem principal, Jean Valjean, rouba um pão para os sobrinhos famintos e é condenado a cinco anos de trabalhos forçados).

Eis a defesa que o Reinaldo Azevedo faz da volta àqueles que devem ser, para ele, os velhos e bons tempos:

“… a violência não faz parte do jogo. E não digo aqui nada diferente do que disse em 2013, quando Dilma estava na Presidência da República, e seu governo era um dos alvos da barbárie [os protestos contra o aumento da tarifa do transporte coletivo, que começaram pacíficos e só se radicalizaram após a Polícia Militar de SP ter reprimido bestialmente os manifestantes]. Defendi, então, que se apelasse, se necessário, à Lei de Segurança Nacional, que continua em vigor…

Uma democracia conversa com quem quer conversar e manda para a cadeia quem quer quebrar, depredar, pôr em risco a segurança coletiva. O governo tem de usar de todos os instrumentos que estão ao seu alcance, dentro das regras do jogo, para assegurar a lei e a ordem…”

Amanhã ninguém sabe, mas, por enquanto, Reinaldo Azevedo deverá ficar falando sozinho. Michel Temer, a julgar pela declaração sobre “as 40 pessoas que quebram carros”, prefere minimizar os protestos do que botar lenha na fogueira. Bobo ele não é.

A temperatura política, contudo, pode mudar de um momento para outro. E a melhor maneira de se lidar com ovos da serpente sempre foi a de os esmagar antes que ecludam.

* em 2013 também houve, na base da forçação de barra, enquadramento no artigo 15, “praticar sabotagem contra instalações militares, meios de comunicações, meios e vias de transporte, estaleiros, portos, aeroportos, fábricas, usinas, barragem, depósitos e outras instalações congêneres”, cuja pena é de 3 a 10 anos de prisão.

* Celso Lungaretti é jornalista, escritor e ex-preso político. Edita o blogue Náufrago da Utopia.

 

Outros textos de Celso Lungaretti

Mais sobre o Brasil nas ruas

Mais sobre crise brasileira

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Se você chegou até aqui, uma pergunta: qual o único veículo brasileiro voltado exclusivamente para cobertura do Parlamento? Isso mesmo, é o Congresso em Foco. Estamos há 17 anos em Brasília de olho no centro do poder. Nosso jornalismo é único, comprometido e independente. Porque o Congresso em Foco é sempre o primeiro a saber. Precisamos muito do seu apoio para continuarmos firmes nessa missão, entregando a você e a todos um jornalismo de qualidade, comprometido com a sociedade e gratuito. Mantenha o Congresso em Foco na frente.

Seja Membro do Congresso em Foco

Apoie