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Polícia nem para quem precisa de polícia

09.06.2013 07:35 15

Reportagem
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Um sujeito que veste uma farda para tomar conta dos outros devia ser encarado – no mínimo – com desconfiança. Eu o vejo de três maneiras: primeiro como fetichista, depois como criança birrenta e, por último, como ser humano obsoleto. Quase desnecessário. Não diria completamente dispensável porque o sadomasoquismo (tem aqueles que gostam de proteção) é uma distração primitiva da psique humana, bem como o aeromodelismo e o hábito de tirar meleca do nariz. Eu moro no Rio de Janeiro. Bem na divisa da Lapa e do bairro da Glória, de frente para a Pça. Paris. Do lado sul tenho o Beco do Rato como ante-sala, e, imediatamente a boroeste, a avenida Augusto Severo.

A propósito. Foi Augusto Severo o inventor da dirigibilidade dos balões e a avenida que leva seu nome, hoje, é passarela dos travestis mais cobiçados do Brasil.

Acompanho diariamente o desfile dos viados e das policias civis e militares. Todo dia tem apreensão de drogas, zé manés que rodam, outros que escapam, tiroteios e o Datena espalhando pânico na televisão seguido de declarações de guerra do secretário de Segurança. O governador Cabral garante que não vai dar trégua pra bandidagem. O pau come solto. As periguetes engravidam, céu azul sobre cornos barulhentos. Sirenes, maratonas pela paz, e abraçassos tropicalistas no Itaú-Pão de Açúcar, como se a realidade fosse tratada na base da fantasia, aliás, não seria má ideia se a fantasia retribuísse, mas essa é outra história.

A trapezista se apaixona pelo engolidor de espadas, os motoristas de ônibus passam por cima, e as mães choram os filhos mortos. I love Rio.

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A ilusão do Estado presente. Um circo que até anteontem eu imaginava fazer parte da minha rotina, algo sólido e palpável cuja palavra “ocupação” encerraria de vez qualquer dúvida no sentido oposto. Eu o sentia assim, e, de uns anos pra cá, a sensação de segurança, apesar da insegurança que diz o contrário, ganhou as ruas.

As UPPs, e o Rio psicológico – ainda –  prevalece. Tem até festival de literatura da Polícia Militar: a FLupp –  uma contradição em si e uma onomatopéia sinistra que quer dizer mais ou menos o seguinte: engula esse caroço e respeite as autoridades e os artistas oficiais, mas isso tudo é sintoma e reflexo do tempo bovino, da marca de fantasia que vivemos.

Você já precisou comprar drogas no Rio de Janeiro?

Além dos livros e das drogas familiares, nunca precisei mais do que Epocler. Não obstante, amigos viciados tem a necessidade de usá-las e, vezenquando – aqui entre nós – é lícito abandonar a tela e o teclado e ir atrás de um pouco de confusão. Bastam cinco minutos, ou até menos. Aqui na Lapa, em questão de duas ciscadas, o traficante aparece na sua frente, como se tivesse brotado de uma lâmpada de Aladim. Em Ipanema, no Baixo-Gávea,  Leblon e adjacências, basta pensar e a droga se materializa diante de você: pó, maconha, poesia, e, às vezes, o prefeito vem junto e mete porrada. Não sejamos hipócritas. O ramerrame de Ribeirão Preto, de Balneário Camboriú e da ex-pacata cidade de Jundiaí é igualzinho. O Brasil tá fissurado. A classe média que dona Chauí tanto despreza não me deixa mentir.  Burguer King ou Mc Donald’s?

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Se o homem de bem, pagador de impostos e cheirador contumaz não curtir grandes emoções, só pedir delivery. Os caras entregam até pizza de chocolate na sua casa.

Quando você consegue o que quer, bem, em questão de segundos o circo perde o sentido. Você percebe que aqueles caras que vestem fardas e cultivam a ordem, a disciplina e a hierarquia não servem pra quase nada; na realidade eles – repito – são crianças sádicas e fetichistas que fazem tanto sentido quanto o traficante e os heróis da Marvel que tomam conta dos seus sonhos de Cinderela, pare pra pensar: um meganha que enquadra suspeitos e se dirige a outro meganha como tenente, cabo, capitão, um cara que prende e faz uso de algemas e técnicas de imobilização, um sujeito que acorda de madrugada para se perfilar diante de um pedaço de pano colorido, o mesmo tipo que obedece a ordens unidas, que desfila de boina na avenida, pense comigo: para que um xarope desses, que depende de uma voz de comando até para se manter sobre as duas pernas, presta na vida?

Pra cuidar de mim é que não é.

Um apelo. Autoridades civis, militares e eclesiásticas. Senhoras e senhores. Gostaria de fazer um apelo: invistam em videogames e passatempos temáticos. Abram franquias do Parque da Mônica e de masmorras sadomasoquistas, chamem a Super Nanny, dêem massinha e pincéis atômicos para entreter essas crianças mal-humoradas que adoram uma fardinha. E, do outro lado e ao mesmo tempo, livrem os viciados dos traficantes e os deixem consumir suas drogas em paz. Em suma, já basta o Deus do Malafaia* para subjugar, prender, orientar e sacrificar o gado que lhe solicita, polícia não serve nem para quem precisa de polícia.

Bem, eu estava dizendo que, em cinco minutos, apesar de todo o circo armado pelo Estado, apesar do dinheiro que se gasta com as sirenes, dos discursos ufanistas e fetichistas e etc., eu dizia que a coisa mais fácil do mundo é um traficantezinho de bosta esculhambar essa ideia de segurança pública, bastam cinco minutos pro viciado fumar e/ou cheirar essa mentirada toda. Na primeira cafungada você percebe que Datena, Paes, Cabral, Beltrame & cia Ltda. são alegorias toscas, eles não passam de odaliscas, pierrôs e colombinas armados até os dentes de uma conversa pra boi pensar que está dormindo em paz na zona sul, e o mais grave, quando a droga batizada que você consome piora aquilo que já não tem remédio, você percebe que o Estado não devia vender intimidação para quem precisa de tratamento. Na cachimbada subsequente, você se dá conta de que, só por uma questão de nomenclatura, você é doente, Fernandinho Beira-Mar é bandido, Eike Batista é empresário e o Cabral descobriu o Brasil.

No dia que a Vovó da Casa do Pão de Queijo vender heroína, droga por droga porque sou pelo controle de qualidade e pelo recolhimento de impostos, nesse dia não vamos mais precisar de polícia nem para perguntar onde é que fica o necrotério mais próximo. Mete o dedo, Picachú!

PS* Em entrevista para o Congresso em Foco, o pastor Silas Malafaia disse que desconhece gay que não tenha sido violentado na infância. Eu, aqui com meus botões, pensei: também não conheço neo-evangélico que não seja diuturnamente esculhambado na vida adulta. E o pior: eles ainda pagam por isso. Malafaia também disse que viadagem tem tratamento. Se eu fosse repórter do CF, perguntaria ao pastor: E burrice? Tem cura?

Conselho Nacional de Justiça. Com relação ao fato de uma resolução desse conselho, ainda que amparada por decisão do STF, deliberar sobre  casamento gay (independentemente de a matéria ser casamento gay…) bem, infelizmente, serei obrigado a concordar com o pastor Malafaia. Isso é antidemocrático e perigoso. Daqui a pouco a associação brasiliense de bandeirinhas e gandulas estará arbitrando sobre taxas de juros e política fundiária. Não dá. Trata-se de uma aberração que só faz confirmar a piada em que se transformou nosso poder legislativo. Montesquieu, coitado, virou marca de cachaça aqui no Brasil.

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