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Brasil ultrapassou as 200 mil mortes por covid-19 essa semana. [fotografo] Fernando Frazão/Agência Brasil [/fotografo]

Pandemia e ganho de cidadania: é possível?

15.06.2020 17:24 0
Atualizado em 10.10.2021 17:35

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José Serra*

A pandemia do novo coronavírus, uma catástrofe humanitária internacional, condenará milhões de pessoas ao desemprego. São tempos difíceis que impõem custos altos à sociedade. O Estado é responsável por dar respostas às crises sanitária e econômica. Nesse cenário, será necessário aperfeiçoar a rede de proteção social no País para que os objetivos do art. 3º da Constituição – solidariedade, desenvolvimento nacional e redução da desigualdade social – sejam cumpridos.

Com o número de mortos aumentando, obrigando as pessoas a se manterem isoladas, o Brasil atravessa um dos momentos mais difíceis e tristes da sua história. A inevitável paralisação de atividades econômicas provoca gigantesca onda de demissões, que exige intervenção do Governo Federal para salvar vidas e empresas. Uma das medidas é o auxílio emergencial de R$ 600 que deverá ser pago a cerca de 70 milhões de brasileiros.

Com essa cobertura cria-se um cadastro social importante que permite o aperfeiçoamento da atual rede de proteção social, que se espelha na proposta conhecida como “renda mínima universal”, adotada em diversos países como um amplo seguro social. A ideia não é nova. Foi proposta por Thomas More, no século XVI, na sua obra Utopia, uma ilha imaginária, onde os cidadãos recebiam uma renda básica. No pós-guerra, o Reino Unido implementou a proposta, com limitações. Mais tarde, nos anos 1980, a ideia se expandiu por toda a Europa. Nas décadas de 1960 e 1970, os EUA e o Canadá iniciaram experimentos de tributação negativa da renda (o imposto negativo de Milton Friedman).

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No Brasil, os primeiros passos foram dados na década de 1990, com programas de transferência de renda vinculados à educação: os Bolsa Escola.  Tiveram a contribuição do então Senador Eduardo Suplicy, em sua incansável defesa na instituição de uma renda básica universal. Em 2004, Suplicy finalmente viu aprovado o seu projeto de renda básica da cidadania, dando origem à Lei 10.835/2004. Com a Lei, os quatro programas de transferência de renda em vigor no País, com foco na erradicação da pobreza extrema, foram unificados em um único: o Bolsa Família.

O Ministério da Economia sugere o fim do auxílio emergencial de forma gradual, estendendo o benefício por mais dois meses e redução do valor para R$ 300. Nessa esteira, apresentei Projeto de Lei 2742/2020, que cria a renda básica de cidadania permanente. No meu PL cabe ao Poder Executivo definir o valor do benefício em montante suficiente para cobrir as despesas básicas com alimentação, educação e saúde. A situação econômica e fiscal impõe um desenho de programa que não perca de vista a responsabilidade fiscal e a boa governança. A LRF exige transparência das fontes de financiamento de despesas obrigatórias de caráter permanente via: elevação de impostos, revisão de despesas e relaxamento das metas fiscais.

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O PL aproveita a experiência do auxílio emergencial para aperfeiçoar a Lei 10.835/2004, com foco na vulnerabilidade social e tornará permanente a implementação de uma renda básica. Um cadastro gigantesco está em formação, dando visibilidade e cidadania a milhões de brasileiros.

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Transferências de dinheiro rápidas, com baixo custo administrativo, apesar dos percalços para o pagamento das primeiras parcelas, como é o auxílio emergencial, são uma experiência que possibilitam a estruturação operacional que viabilize a efetivação de um novo programa social no País. A estrutura do Bolsa Família, com sua capilaridade, deve ser o ponto de partida.

Proponho, ainda, que os programas nacionais de transferência de renda (com exceção do BPC e do Seguro-Desemprego) sejam unificados, o que garantirá importante fonte de financiamento para um novo arranjo social. Caberia ainda estabelecer um modelo de governança do novo programa baseado em monitoramento sistemático e permanente do TCU quanto à legalidade e à economicidade na execução do programa, com a participação de outras instituições públicas federais.

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Uma fonte de custeio seria a revogação da isenção do imposto de renda sobre dividendos e lucros distribuídos da pessoa jurídica para a pessoa física criada nos anos de 1990. Essa isenção não foi suficiente para diminuir a evasão fiscal e aumentar investimentos no setor produtivo. No novo arranjo, haveria transferência de recursos dos mais ricos aos mais pobres, com efeito multiplicador sobre o consumo e a atividade econômica. No longo prazo, dado o multiplicador fiscal decorrente, parte do custo seria compensado, retornando aos cofres públicos. Essa tese, defendida em meu PL, foi confirmada em estudo realizado pela UFMG, divulgado em 24/05, cuja a conclusão é que a arrecadação de impostos gerada pelo programa emergencial pode cobrir até 45% dos seus custos, na medida em que estimula o consumo e a geração de emprego.

A pandemia desnudou a precariedade do sistema de proteção social, ceifou empregos, renda e a vida de muitos cidadãos e, da forma mais perversa, tornou “visíveis” milhões de brasileiros que hoje vivem à margem da ordem constitucional vigente.

*José Serra é economista e senador por São Paulo (PSDB). Também foi governador de São Paulo e ministro da Saúde, do Planejamento e das Relações Exteriores.

 

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