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Urna de votação da Justiça eleitoral argentina. Foto: Joedson Alves/ABr

américa latina

Respeito às normas é a tônica das eleições na Argentina

24.10.2023 10:41 0

Opinião Em
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Allan Titonelli Nunes *

No final de semana passado, 22 de outubro de 2023, foram realizadas as eleições gerais na Argentina. Uma Missão de Observação Internacional, capitaneada pela Transparencia Electoral e pela Caoeste, em parceria de outras entidades, entre elas a Abradep e o Copeje, promoveu um congresso internacional a respeito. Foram realizados debates tendo como enfoque a democracia na região, a difusão da mentira e o impacto nas eleições, o processo político e eleitoral da Argentina, palestras com representantes dos partidos em disputa, deputadas e outras autoridades. Também foram realizadas visitas técnicas a tribunais eleitorais, à Embaixada Brasileira e acompanhamento da votação em diversos centros eleitorais.

Primeiro ponto a ser destacado é que a Argentina é uma verdadeira federação, onde as províncias possuem regras eleitorais, processuais, entre outras, próprias. Isso porque, a Constituição assim determina, em seu art. 123:

“Cada província dita sua própria constituição, conforme o disposto pelo artigo 5°, assegurando a autonomia municipal e regulando seu alcance e conteúdo na ordem institucional, política, administrativa, econômica e financeira”

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A República Argentina é formada por 23 províncias e a cidade autônoma de Buenos Aires. O Congresso é bicameral. A Câmara dos Deputados tem 257 membros eleitos para um mandato de quatro anos, renovando metade a cada dois anos. Já o Senado é formado por 72 membros eleitos para um mandato de seis anos, com renovação da terça parte a cada dois anos.

Novidade em relação ao Brasil é que há eleição direta para deputado(a) do Mercosul, além de haver bicameralismo em algumas províncias, ou seja, senadores provinciais.

A eleição para a Câmara dos Deputados é realizada por meio de listas partidárias, com uma distribuição proporcional dos assentos. Para conseguir assento, o partido deve obter 3% dos votos da circunscrição e as listas deverão ter um mínimo de 30% de mulheres.

Para um partido lançar um candidato(a) a presidente, este deve obter no mínimo 1,5% dos votos e ganhar a disputa interna nas eleições primárias (Paso). Para um candidato a presidente se eleger no primeiro turno, precisa ter mais de 45% dos votos ou mais de 40% dos votos e diferença de 10% para o segundo mais votado. Na eleição ocorrida no domingo (primera vuelta), dia 22 de outubro, como nenhum candidato obteve tal votação foram para o segundo turno os candidatos Sergio Massa, da Coligação “Unión por la Patria”, com 36,68% dos votos, e Javier Milei, da Coligação “La Liberdad Avanza”, com 29,98% dos votos.

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No dia da eleição o eleitor(a) chega ao centro de votação se identifica (DNI) perante os mesários, recebe um envelope branco e vai para o que chamam de “cuarto escuro”, onde se encontram as cédulas de votações (boletas), fornecidas pelos próprios partidos/coligações. Nessa sala o eleitor(a) pega uma dessas cédulas da Coligação que quer votar, onde se encontra uma lista de todos os candidatos daquela Coligação, e coloca dentro do seu envelope recebido da mesa e deposita na urna. Se o eleitor(a) não quiser votar naquela lista integral das coligações terá que recortar e separar. Ou seja, o sistema incentiva uma votação unificada, o que também facilita na hora da apuração.

A mesa de votação é formada por um presidente e um mesário(a). Os fiscais dos partidos/coligações, que exercem papel central no dia da eleição, não podem estar identificados e ficam ao lado daqueles. O eleitor também não pode ter nenhuma referência às candidaturas e qualquer manifestação de vontade na fila pode levar à impugnação daquele voto, tendo em vista a proibição do “voto cantado”.

Aqui reside um ponto relevante do processo eleitoral da Argentina, o papel dos partidos/coligações, que representados por fiscais, exercem papel de destaque no processo de votação e apuração, compartilhando todas as informações lado a lado dos servidores da “Justicia Nacional Electoral”, e impugnando desde já aquilo que tenha violado a lei. Muitas analistas apontam que essa é a razão pela qual o resultado das eleições gerais Argentinas, após a abertura democrática, nunca foi questionado substancialmente, com reconhecimento imediato até dos candidatos derrotados, pois como há uma participação efetiva dos partidos/coligações não dá para argumentar depois que houve fraude, soaria como casuísmo.

Ainda dentro desse contexto, as eleições argentinas não são judicializadas como no Brasil. Há uma confiança no próximo e respeitos às regras. Não há panfletagem, boca de urna ou tumultos nos centros eleitorais. Para se ter uma noção, em visita ao Tribunal Eleitoral da Cidade Autônoma de Buenos Aires, descobrimos que o Tribunal só teve cinco processos judiciais até o final de semana das eleições, o que seria impensável no Brasil.

Aqui, pelo contrário, impera uma cultura histórica de leniência e de transgressões, por isso a judicialização política/eleitoral. Renato Janine Ribeiro faz uma metáfora entre o trânsito e nossas condutas sociais para explicar antropologicamente a questão:

“É possível dizer que, entre nós, a lei tinha – e infelizmente conserva – um papel indicativo, mais que normativo: ela funcionava como um ideal que gostaríamos de ver aplicado, mas com o qual nosso compromisso era frouxo. Ou talvez: a lei deveria aplicar-se aos outros, não a nós. (…) O mesmo vale para o trânsito: sempre esperamos que os demais motoristas cumpram as leis, quando estas nos beneficiam, mas muitos se recusam à necessária reciprocidade, desobedecendo ao Código quando isso lhes pode conferir alguma vantagem, mínima que seja, como alguns meros segundos.”

De outro lado, o que ainda permite o comportamento consentâneo com a legislação são as penalidades impostas pelo seu descumprimento. Dessa forma, vale ressaltar o exemplo cultural positivo de nossos hermanos.

Na história da construção dos direitos os deveres comuns foram amplamente difundidos, de modo que ambos os interesses passaram a ser tratados por uma relação de reciprocidade, onde o exercício pleno da cidadania pressuporia cumprir com os deveres, para assim os direitos serem respeitados. Até como forma de exemplo positivo.

* Allan Titonelli Nunes é procurador da Fazenda Nacional e desembargador eleitoral substituto do TRE-RJ. Mestre em Administração Pública pela FGV, especialista em direito tributário, ex-presidente do Forum Nacional da Advocacia Pública Federal e do Sinprofaz. Membro da Academia Brasileira de Direito Político e Eleitoral (Abradep).

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