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Acordo multilateral para a paz na Ucrânia, proposto por Lula, tende a não funcionar. Ainda assim, seria benéfico para o Brasil. Foto: ONU/Divulgação

O debate enviesado que ameaça os direitos humanos

12.12.2018 17:30 0

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A celebração dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos deve estimular, mais do que uma reflexão sobre o respeito ao próximo em todo o mundo, o resgate no Brasil da origem do documento e seus objetivos mais profundos, deixando de lado o viés ideológico que vem contaminando o debate já há alguns anos.

Esse ambiente só contribui para acirrar ânimos e fortalecer barreiras que não deveriam nem sequer existir. O que o país menos precisa agora é de conflito, sob pena de atravancar ainda mais a superação da crise e a retomada do crescimento em todos os seus aspectos e atividades – da indústria ao comércio, dos serviços ao consumo, do investimento ao desenvolvimento, da geração de emprego ao aumento da renda. E os direitos humanos têm tudo a ver com isso.

Há no ar uma falsa dicotomia entre o caráter universal dos direitos humanos e uma suposta benevolência do Estado diante de atrocidades, seja em guerras entre nações, seja em conflitos urbanos ou no campo.

Em um dado momento, consolidou-se aqui e no mundo um movimento contrário a um suposto “exagero” na aplicação dos preceitos da declaração – quando se defende, por exemplo, os direitos básicos de pessoas condenadas por crimes hediondos.

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Essa onda perversa distorce o debate e gera a defesa de tristes máximas como “direitos humanos para humanos direitos” ou “bandido bom é bandido morto”, sem que os adeptos desse pensamento percebam o tamanho do risco associado a essa concepção dos direitos, uma vez que deixa de ser possível controlar os critérios pelos quais se definiria quem são “humanos direitos” ou até mesmo o que caracterizaria um “bandido”.

Promulgada pela ONU em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal foi uma resposta de 193 países às atrocidades da Segunda Guerra Mundial, em especial ao Holocausto e às bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki. Não tem força de lei, mas reúne as diretrizes básicas a serem seguidas por seus signatários, que devem consolidar os princípios em suas legislações, como aconteceu no Brasil.

Trata-se do mais importante documento já concebidos pela humanidade em defesa da paz, da vida, da dignidade e do respeito ao próximo, e funciona como instrumento fundamental para o combate à tortura, aos maus-tratos, ao desrespeito, à discriminação, ao preconceito e ao ódio.

A leitura dos 30 artigos da Declaração é rápida e inspiradora.

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Já o primeiro artigo traduz de forma clara o objetivo do documento: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.”

O segundo artigo estabelece as principais garantias: “Todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.”

 

“O respeito aos direitos humanos não pode ser uma escolha. Deve ser o princípio essencial de todos”, diz Glauco

 

A partir daí, cada artigo remete a um aspecto da vida humana, sempre de forma concisa e clara. O que mais impressiona é a atualidade do texto. Temas descritos em 1948 ainda são alvo de debates intensos nos dias de hoje, como o racismo, a desigualdade social, o gênero, a opção sexual, a nacionalidade.

É certo que houve avanços. O simples fato de a maioria dos países da ONU terem efetivado as garantias da Declaração em suas legislações já é um resultado poderoso. E foi capaz de punir e impedir muitas violações de direitos humanos.

No entanto, não foi suficiente para evitar guerras localizadas, seja entre nações, seja entre etnias de um mesmo país, ou entre seguidores de diferentes religiões, ou por motivos econômicos, como a disputa pelo petróleo.

No Brasil, apesar de muitos avanços e de uma legislação cada vez mais complexa e detalhista no combate à violência, o Atlas da Violência divulgado neste ano indica recorde no número de homicídios em um ano: mais de 62 mil, em 2016. O Disque 100, número de telefone para ligação gratuita e sigilosa destinado a denúncias de violações de direitos humanos, recebeu mais de 142 mil ligações em 2017, ou 390 por dia, em média, de acordo com dados da Ouvidoria Nacional divulgados pelo Ministério dos Direitos Humanos.

Dados como esses se multiplicam em todo o mundo, e muitas vezes as denúncias envolvem empresas, responsabilizadas em função da força econômica sobre um mesmo setor, ou comunidades, ou mesmo países. Assim, a concepção de garantia de direitos humanos passou a ser estendida, mais recentemente, para o âmbito empresarial, a partir do momento em que grandes grupos empresariais tornaram-se maiores que muitos países e passaram a ser denunciados por violações dos mais diversos direitos.

Por isso, em 2011 a ONU lançou, após uma década de debates, os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, e em 2014 deu início a negociações para criar um tratado internacional sobre empresas transnacionais e direitos humanos.

O documento foi constituído a partir de três fundamentos básicos: proteger, respeitar e reparar. Dessa forma, o Estado deve garantir políticas públicas para prevenir e reparar por violações de direitos humanos por parte de empresas, e as empresas ficam impedidas de violar direitos garantidos e obrigadas a prevenir, mitigar ou reparar impactos negativos sobre direitos humanos relacionados a suas atividades.

É, portanto, um caminho sem volta. O respeito aos direitos humanos não pode ser uma escolha. Deve ser o princípio essencial de todos, sejam pessoas físicas ou jurídicas regionais e multinacionais, representantes de governos e instituições públicas ou privadas, autoridades em todos os níveis e esferas de Poder, organizações nacionais e internacionais, especialistas, acadêmicos ou pesquisadores, formuladores de políticas públicas nacionais e mundiais que conduzam a humanidade para um futuro de paz e prosperidade.

Que todos nós sejamos capazes de, cada um fazendo sua parte, seguir a tríade da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada em 1789 durante a Revolução Francesa, que inspirou a própria Declaração Universal de 1948: liberdade, igualdade e fraternidade entre todos os seres humanos.

 

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