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A mesquita Al Aqsa foi anexada por Israel ao resto de Jerusalém Oriental na guerra de 1967. Foto: Pixabay

guerra no oriente médio

A ocupação israelense e a operação Al Aqsa inundada

13.10.2023 11:17 1

Opinião Em
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Bruno Beaklini * e Robson Valdez ** 

A operação Al Aqsa inundada começou no último sábado (7) e não tem previsão para término. A mesquita Al Aqsa foi anexada por Israel ao resto de Jerusalém Oriental na guerra de 1967. Assim como na anterior, a operação Espada de Al Quds (maio 2021), a motivação foi evidente: a apostasia e profanação da Esplanada das Mesquitas e dos sítios sagrados para muçulmanos e cristãos; a expansão da limpeza étnica na Cisjordânia sob controle militar israelense e a absoluta ausência de saída para a população palestina. O cotidiano da Faixa de Gaza, uma estreita linha de terra na costa do Mediterrâneo, é terrível, sob cerco militar e bombardeio inimigo.

No único pedaço de chão sob controle palestino, tem-se um fornecimento médio de 13 horas de energia por dia e são constantes apagões de luz de 8 a 12 horas, chegando muitas vezes a 20 horas, além de racionamento de víveres e combustíveis e permanente agressões do lado externo. Não é incomum ver ação conjunta de soldados e colonos israelenses atirando contra palestinos. A fronteira com o Egito – por onde entrariam os bens de primeira necessidade – é controlada por uma potência financiada pelo Tesouro dos Estados Unidos e os bombardeios (através da supremacia aérea) são muito frequentes.

Na Cisjordânia, jovens palestinos são assassinados quase que diariamente. São 5.200 presos políticos e a punição do invasor costuma ser a demolição das casas palestinas. De forma absolutamente ilegal para o Direito Internacional, fundos imobiliários seguem tomando terreno nos territórios ocupados em 1967 (a Naksa) e a origem desse fluxo financeiro é diversa, ultrapassando muito as instituições israelenses. A extrema direita religiosa estadunidense opera como fomentadora da ocupação e o neopentecostalismo nos países da América Latina incide diretamente na popularização do apoio incondicional ao apartheid promovido de forma sistemática por sucessivos governos israelenses. 

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Em tese, os acordos de Oslo poderiam criar uma situação em que 95% do território da Cisjordânia estaria sob controle palestino, com a instalação de um aeroporto internacional; 100% de Gaza com um porto e outro aeroporto além de uma estrada formato “highway” com quatro pistas de cada lado, igualmente sob controle da população palestina originária. Nada disso ocorreu e, de fato, a única libertação da Palestina se deu após as eleições internas de 2006, cujo resultado Tel Aviv não aceitou e que resultou no enclave ao sul do projeto colonial chamado Estado de Israel.

Se as proclamas do Estado usurpador de territórios palestinos e a presença militar dos Estados Unidos forem confirmadas, a ideia é realizar uma nova Nakba – a catástrofe de 1948 na qual 800 mil pessoas foram expulsas de casas e terras onde viviam há mais de 3.000 anos – desta vez forçando um êxodo palestino. Considerando que mais de 75% da população de Gaza já é egressa de campos de refugiados e a grande maioria nunca saiu de lá em 75 anos, a perspectiva é nenhuma.

Escrevemos estas palavras enquanto assistimos ao vivo, na Al Jazeera em inglês (manhã de quarta-feira, 11 de outubro de 2023), ao comentário do jornalista israelense Gideon Levy, editor do Haaretz. Ele afirma: “a única ideia fixa da elite política de Israel é se livrar da população palestina, de uma forma ou de outra”. Tampouco devemos nos iludir com a diferença entre a extrema direita israelense ou a social-democracia (hoje minoritária). Os massacres coloniais em consonância com a ocupação britânica na década de 1930, a Nakba entre 1947 e 1951 e a Naksa em 1967, além da ameaça de ataque nuclear contra o Cairo em 1973, e as operações de assassinato das lideranças palestinas nos anos seguintes foram todas sob gabinete “trabalhista”. 

A direita de Israel chega formalmente ao poder em 1977 e, desde então, há uma inclinação para esta orientação política. Mas esse fator incide no arranjo interno de Israel e na influência das entidades promotoras do ideal expansionista dos sucessivos governos israelenses que atuam nos países ocidentais. Para os palestinos que são cidadãos de segunda categoria nos territórios ocupados de 1948, para os milhões de refugiados ao redor do Mundo Árabe e em outros países, para a população da Cisjordânia e Gaza não há saída possível. Assim como não há nenhuma condição de estabilidade em todo o oeste da Ásia (chamado de Oriente Médio pelos cruzados) sem uma solução para a questão palestina.

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Se depender das elites políticas de Israel, tomando como exemplo Yair Lapid e Benny Gantz (este sendo o general carniceiro de Gaza em 2012 e 2014), a diferença substantiva com Netanyahu e seus fascistas assumidos é o nível de sinceridade. O paradoxo do momento é esse: o ideal do expansionismo territorial israelense sobre terras palestinas é cada vez mais “sincero” em seu supremacismo racista e, proporcionalmente, as capacidades militares da resistência palestina (lideradas por partidos islamistas e não por forças laicas, como na formação histórica da Organização pela Libertação da Palestina, OLP) são cada vez maiores e versáteis. Assim como esta é a constatação, é importante ressaltar que a maioria da população palestina não é apoiadora do integrismo. Ainda se trata de um sistema político multifacetado, com a maior parte das pessoas sem filiação partidária e as simpatias inclinadas para as forças laicas, com uma esquerda minoritária. O tradicional pan-arabismo e sua vertente socialista que é fundadora da OLP não são hegemônicos mas estão longe de ser extintos. 

A outra condição fática é que os planos de remoção em massa e de terra arrasada não vão conseguir expulsar as mais de 2,2 milhões de pessoas em Gaza e 3 milhões na Cisjordânia e menos ainda deslegitimar a condição de refugiados palestinos no Líbano, na Síria e na Jordânia. Não há saída para o Mundo Árabe e nem para o Mundo Islâmico sem a criação de um Estado palestino ou de um Estado binacional com direitos iguais em escala universal. É isso ou o apartheid israelense e as mais diversas formas de resistência possíveis. 

Os cenários do curtíssimo prazo são imprevisíveis 

O desenrolar da guerra de Israel e dos Estados Unidos contra o povo palestino representado pela frente de Gaza é algo imprevisível. A presença do porta-aviões Gerald Ford, mais ao menos quatro navios de guerra, a liberação por Antony Blinken (secretário de Estado da administração Biden) de US$ 5 bilhões menos de 12 horas após o ataque comandado pelo Hamas demonstram que a dimensão da luta de libertação nacional pode ser ampliada para um conflito regional. Israel ocupa ilegalmente territórios na Síria e no Líbano, e o próprio Acordo de Camp David com o Egito colocou o governo do Cairo em posição subordinada no controle do Sinai e do Mar Vermelho. Logo, demandas dos vizinhos não faltam.

Se houver um ataque por terra do exército israelense, apoiado por aviação e a artilharia naval estadunidense, a probabilidade maior é o envolvimento do Hezbollah a partir da fronteira norte do Estado colonial e de zonas ainda em disputa em Golan. Se o envolvimento das forças militares dos Estados Unidos for direto, e explícito, a dimensão deste conflito será incomensurável, podendo envolver outros países. A maior parte dos comentaristas militares israelenses alega ser impossível, nos dias atuais e com a capacidade da artilharia móvel dos adversários, lutar em duas frentes simultâneas, quiçá em três ou mais. A única certeza é de que a solução não está próxima e menos ainda passa por uma ação militar sem limites.

Tel Aviv aponta para a “punição coletiva” contra a população de Gaza, cortando água, eletricidade e a chegada de alimentos e medicamentos. Qualquer semelhança com uma campanha de extermínio não é coincidência. O Sistema Internacional vai aceitar isso em pleno século 21? A depender das vontades políticas dos EUA, da Otan, da União Europeia e do lobby israelense (e seus aliados neopentecostais em países ocidentalizados), realmente parece que sim. Simultaneamente, apesar da pouca confiança gerada pelos governos nacionais dos países árabes, as ruas clamam pela Palestina. A Palestina ainda é a causa mãe de toda uma comunidade cultural e territorial do mundo árabe e isso não vai mudar. 

Existe alguma vontade real de qualquer setor do Estado israelense e suas elites financeiras e militares em buscar uma saída para o povo palestino? Realisticamente parece que não. Por mais conflitos e contradições internas que o mítico projeto israelense de expansão territorial sobre terras palestinas a qualquer custo tenha na atualidade, a condicionante de sua existência é o paradigma do general Moshe Dayan (um dos heróis da social-democracia colonial sionista): 

“Chegamos aqui para um país que foi preenchido pelos árabes e estamos construindo aqui um hebraico um estado judeu; Em vez das aldeias árabes, as aldeias judaicas foram estabelecidas. Você nem sabe os nomes dessas aldeias, e eu não o culpo porque essas aldeias não existem mais. Não há um único assentamento judaico que não foi estabelecido no lugar de uma antiga vila árabe.”

Se isso não for limpeza étnica, então é o quê? Se não há nenhum gesto concreto do ocupante em deixar ao menos as parcelas ocupadas segundo o moribundo Acordo de Oslo, a única saída é o fim do apartheid israelense e a criação de um Estado para dois povos. Para alcançar este objetivo, com o direito de retorno dos refugiados e a reparação econômica pelo roubo de suas casas e terras, será preciso qual caminho? Por que a mídia hegemônica nos países ocidentais se recusa a abordar o tema de frente e com a coragem que a busca da verdade demanda?

Diariamente, a população palestina é massacrada, com ou sem operações e guerras formais contra Gaza. A guerra é contra o povo palestino, iniciou com a ocupação do mandato britânico na Palestina em 1920, se tornou opressão institucional com a “guerra antiárabe de 1947” e desde então o cotidiano é esse. O que esperar de pessoas que vivem sob opressão de uma máquina de guerra financiada pelos EUA há pelo menos 75 anos? A única certeza é de que nem os palestinos, nem as populações árabes ou sua diáspora vão abandonar a Palestina à sua própria sorte. 

* Bruno Lima Rocha Beaklini é jornalista profissional, doutor em ciência política e professor de relações internacionais ([email protected]

** Robson Valdez faz estágio pós-doutoral em Relações Internacionais no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (IREL/UnB). É doutor em Estudos Estratégicos Internacionais (UFRGS) e pesquisador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos/IREL-UnB.

Uma resposta para “A ocupação israelense e a operação Al Aqsa inundada”

  1. Carlos Antonio Caramori disse:

    Excelente matéria. Muito esclarecimento e sem viés

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